O barão nas árvores

Ítalo Calvino é um desses autores que sempre ouvi falar muito bem e já nutria mesmo uma certa admiração sem nunca ter lido nada dele, era uma admiração fruto de uma memória coletiva, encharcada pelas percepções de todos que o lerem foi que me lancei a leitura de “O barão nas árvores” e posso iniciar já avisando de antemão que esta será uma resenha totalmente passional, sem meio-termo, tamanha paixão que hoje tenho pelo autor italiano (ah e não me venha dizer que ele nasceu em Cuba ok? Isso já é assunto superado).

O título deste livro peculiar, muitos considerariam o tão famigerado spoiler, pois ele sozinho já fala em essência sobre o que é a história, mas não se deixem enganar os menos atentos, a epopéia de Cosme Chuvasco de Rondó é muito mais do que o fato de que em 15 de julho de 1767 ele subiu em uma árvore e nunca mais desceu.

A narrativa é conduzida pelo irmão caçula de Cosme, que ao mesmo tempo que fala com paixão das aventuras vividas pelo irmão, também é possível perceber um ressentimento pelo distanciamento que a escolha de Cosme lhes impôs.

A princípio estava imaginando que o foco da história iria ser as estratégias que Cosme usaria para se adaptar na vida nas árvores, mas foi uma grata surpresa descobrir que o que achei ser a trama principal era só uma coadjuvante para questionamentos e alegorias bem mais profundas e pertinentes.

Um episódio que me marcou muito pois fala da relação de Cosme com os livros, é quando ele conhece o temido ladrão João do Mato e este se apaixona pela literatura e abandona a vida de crime para ficar lendo livros e mais livros que Cosme lhe fornece, depois de uma armadilha preparada por outros ladrões, João é preso e o seu desespero é que não saberá o final do livro que lia.

“Finalmente, saiu com os braços cheios de bolsas com moedas. Correu quase às cegas para a oliveira combinada.

Aqui está tudo que havia! Devolvam Clarisse!

Quatro, sete, dez braços se lançaram sobre ele, imobilizaram-no das costas até as canetas. Tinha sido preso por um grupo de guardas e amarrado como um presunto.

– Você há de ver Clarisse quadradinha! – e o levaram para o cárcere.” (pg. 106)

A cena da morte de joão é dessas que ficam ecoando em nossas mentes por muito tempo, é tão verdadeira e singela que é impossível não se emocionar.

“O processo foi demorado; o bandido resistia ao cerco da corda; para fazê-lo confessar cada um de seus inúmeros crimes eram necessários dias e dias. Todo os dias, antes e e depois dos interrogatórios ficava escutando Cosme, que continuava a leitura. Terminada Clarisse, sentindo-o um tanto triste, Cosme achou que Richardson, para quem está preso, talvez fosse meio deprimente; e preferiu ler para ele um romance de Fielding, cujo enredo movimentado lhe compensaria um pouco a liberdade perdida. Eram os dias do processo, e João do Mato só tinha cabeça para os casos de Jonathan Wild.

Antes que o romance fosse concluído, chegou o dia da execução. Na carroça, acompanhado por um frade, João do Mato fez sua ultima viagem como ser vivo. Os enforcamentos em Penúmbria eram feitos num alto carvalho no meio da praça. Ao redor, o povo fazia um círculo.

Já com a corda no pescoço, João do Mato ouviu um assovio entre os galhos. Ergueu o rosto. Descobriu Cosme com o livro fechado.

– Conta como termina – pediu o condenado.

– Lamento dizer, João – respondeu Cosme – , Jonas acaba pendurado pela garganta.

– Obrigado. O mesmo aconteça comigo! Adeus! – E ele mesmo deu um pontapé na escada, enforcando-se.” (pg.107-108)

Outra coisa fascinante no livro são as soluções muito engenhosas que possibilitam que seu protagonista viva no topo das árvores, é uma delícia ler como Cosme resolve com projetos de engenharia as inúmeras dificuldades de se viver, literalmente pulando de galho em galho.

Com este livro Calvino deixou uma marca em mim, dessas que não se apaga facilmente, pois ao nos contar a história de Cosme ele nos mostra que a vida pode ser vivida como quisermos, não importa se você quer ir contra o senso comum, se precisa romper paradigmas sempre é possível vivermos de acordo com aquilo que acreditamos.

Depois de terminada a leitura, descobri que o livro é o segundo de uma trilogia chamada “Os nossos antepassados”, junto com O cavaleiro inexistente e O Visconde Partido ao Meio. Com certeza vou conferir os outros dois.

O grupo O Cordel Encantado fez uma música inspirada no livro, também não os conhecia, mas achei o trabalho muito original e criativo.

Preciso falar ainda da edição caprichada da Companhia das Letras que mesmo na versão de bolso do livro agrada seus leitores com uma capa belíssima e papel pólen e a excelente tradução de Nilson Moulin.

 

Uma opinião sobre “O barão nas árvores

  • 30 de março de 2011 em 09:52
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    Já li esses três e mais um par de livros do Calvino – ano passado, passei uns dois meses só lendo ele… isso por culpa de outro italiano delicioso, o Eco. É difícil escolher qual destes gostei mais, mas creio que foi O Barão, porque, como você mesma disse, Cosme é um personagem fascinante, que nos mostra que com vontade, superamos tudo.

    O cavaleiro inexistente – coitado – tem uma história que me faz lembrar um tanto de Dom Quixote: eis um cavaleiro que em vez de perseguir moinhos, persegue um virgindade perdida vinte e tantos anos antes. Agora o visconde é total e completamente surreal: ele começa levando uma bala de canhão que o divide ao meio e cada metade dessas sobrevive independentemente: uma é boa e outra é má, sem qualquer meio termo entre os dois.

    Estou agora com Palomar lá em casa. O último que li foi Porque ler os clássicos e Calvino consegue ser crítico sem ser chato – pelo contrário, foi um livrinho que não consegui largar, pois é simplesmente delicioso.

    E, realmente, esse projeto gráfico que a companhia das letras deu aos livros ficou lindo. Quero saber quando eles vão lançar as Cosmicômicas!

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    • 4 de abril de 2011 em 09:00
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      Báh Lulu eu estou cada vez mais encantada com Calvino, eu li depois deste aquele “porque ler os clássicos” que eles lançaram em comemoração ao selo penguin-companhia, ganhei ele de brinde, é só um extrato do original e já foi uma delícia, agora quero ler o texto integral a qualquer custo hehehehehe… Eu preciso ler Eco novamente, quando li pela primera vez Baudolino ainda não tinha maturidade para compreender e aproveitar a complexidade e grandiosidade da obra, mas tenho ficado cada vez com mais vontade de tanto que tu falas nele 🙂
      estrelinhas coloridas…

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    • 4 de abril de 2011 em 09:57
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      Ah Mon que pena que tua experiência com ele tenha sido estranha, este livro que tu lestes é uma das minhas próximas aquisições hehehehe.
      Adorei o link, obrigada 🙂
      estrelinhas coloridas…

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  • 31 de março de 2011 em 01:16
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    Também li “O Barão nas Árvores”, e coincidentemente usei a citação do João do Mato em minha resenha.

    É deveras um livro magnífico, e também pretendo ler os outros dois da trilogia (não vou novamente cometer a besteira de tentar ler em italiano, eu não sei italiano!).

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    • 4 de abril de 2011 em 13:47
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      Báh mas tu não sabes nada de italiano e fostes ler mesmo assim? hehehehehe
      Ah essa passagem do João é impactante né? Eu fiquei com ela ecoando na cabeça por um tempão.
      estrelinhas coloridas…

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      • 5 de abril de 2011 em 01:02
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        Pois é… A cena é impactante mesmo, mas só consegui entendê-la na tradução…

        Quanto à leitura, já fiz coisa pior… já tentei ler Gárdonyi no original (em HÚNGARO) e não entendi uma única palavra…

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