Caim

“A história dos homens é a história dos seus desentendimentos com deus, nem ele nos entende a nós, nem nós o entendemos a ele”. (pg. 88)

José Saramago sempre foi um escritor polêmico, daquele tipo que mesmo quem nunca leu um livro, sabe do que se trata, algumas de suas obras chocam, são provocativas e acima de tudo questionadoras. Ao se apropriar da história de Caim, o primogênito de Adão e Eva e assassino do irmão Abel, ele a tingiu com tonalidades da fantásticas, onde até mesmo viagens no tempo são permitidas.

A narrativa tem início com o crime de Caim e sua condenação de vagar errante pelo mundo, nos levando através de inúmeras passagens do antigo testamento mostrando as interferências de Caim. O tom questionador e o humor irônico permeiam toda a narrativa com o propósito mais do que declarado de questionar as decisões de divinas. Uma das passagens mais divertidas se dá, sem dúvida, quando Abraão está prestes a sacrificar o filho Isaac e é impedido não por um anjo, mas sim, por Caim. O anjo chega logo depois, alegando que o atraso, se deu devido a uma falha mecânica na sua asa. Este trecho apesar do tom de comédia vem encharcado de questionamentos em relação à fé sem reflexão.

“Então o senhor é capaz de tudo, do bom, do mau e do pior, Assim é, Se tu tivesses desobedecido à ordem, que sucederia, perguntou isaac, O costume do senhor é mandar a ruína, ou uma doença, a quem lhe falhou, Então o senhor é rancoroso, Acho que sim, respondeu abraão em voz baixa, como se temesse ser ouvido, ao senhor nada é impossível, Nem um erro ou um crime, perguntou isaac, Os erros e os crimes sobretudo, Pai, não me entendo com esta religião.” (pg.82)

Saramago elegeu trechos bíblicos controversos justamente para provocar, para levar o leitor à reflexão diante dos atos divinos mais questionáveis, mais absurdos. E com ele não existem contemporazições, não existem meios-termos, todo seu ceticismo, seu declarado ateísmo pulsam neste livro, que escancara uma figura divina cruel e vingativa.

A leitura de Caim é fluída, ágil e instigante, até mesmo para os que não estão familiarizados com o peculiar uso da pontuação que Saramago faz em suas obras. O debate filosófico e o confronto ideológico entre Caim e Deus fazem com que o livro seja, como disse Pilar, esposa de Saramago, um livro que “não deixará indiferentes os leitores”.

Esta leitura faz parte do Desafio Literário 2012, cujo tema de Fevereiro é a leitura de livros cujos títulos sejam nomes próprios.

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