“Com efeito, um dia de manhã, estando a passear na chácara, pendurou-se-me uma idéia no trapézio que eu tinha no cérebro. Uma vez pendurada, entrou a bracejar, a pernear, a fazer as mais arrojadas cabriolas de volatim, que é possível crer. Eu deixei-me estar a contemplá-la. Súbito, deu um grande salto, estendeu os braços e as pernas, até tomar a forma de um X: decifra-me ou devoro-te.”
Eu sempre espero muito de Machado de Assis e foi com expectativas inflacionadas que me lancei a leitura de Memórias Póstumas de Brás Cubas, livro que é considerado a obra inaugural do realismo na Literatura Brasileira, mas não adianta, por mais altas que sejam as expectativas Machado de Assis nunca me decepciona, nunca.
Nem tinha como eu não gostar de uma obra que tem essa dedicatória:
"Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas".
Sem contar que ela já mostra a que veio logo nas primeiras linhas. A ironia e crítica social que permeia toda narrativa são grandes trunfos da história que o defunto-autor, não confunda com um “autor defunto”, nos conta.
A história de Brás Cubas, contada por ele mesmo do além, abrange desde a infância até a sua morte, mas nada disso é contado de forma linear, os acontecimentos vão sendo contados conforme vão surgindo na lembrança do defunto, é como um fluxo de ideias se sobrepondo, uma coisa puxa a outra e assim vamos sendo conduzidos pelas memórias deste senhor que na morte, já despido de qualquer expectativa, tece uma gama de considerações pra lá de pertinentes sobre a sociedade.
Enfim uma leitura que ainda hoje se mostra atual e coerente, é como disse no início da resenha, Machado de Assis nunca me decepciona e Memórias Póstumas não foi exceção à regra, bem ao contrário, só confirmou a genialidade do autor.
“Não tive filhos. Não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria."
MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria. Memórias Póstumas de Brás Cubas. Porto Alegre: L&PM, 2007.
Esta leitura foi feita para o Desafio Literário cujo tema de agosto era a leitura de um Clássico da Literatura Brasileira.