O silêncio da chuva

silencioUm suicídio, que para a polícia parece assassinato, dá início a uma trama intrincada que nos envolve desde o princípio. O inspetor Espinosa foge um pouco do estereótipo de detetive brilhante que resolve tudo sozinho, bem pelo contrário o solitário policial que tem como lazer percorrer sebos do Rio de Janeiro atrás de preciosidades literárias se sente tão ou mais perdido que o leitor durante a investigação.
A narrativa de Garcia-Roza é simples, direta e elegante, as divagações existenciais e filosóficas de Espinosa são ótimas e dão ao livro um tom psicológico que é potencializado pela vozes narrativas que se intercalam, nos colocando dentro dos pensamentos de diversas personagens.
Essa foi uma leitura curiosa, pois ao mesmo tempo em que o livro me prendeu, fiquei muito incomodada com diversos aspectos da trama. Este estranhamento foi tamanho que, apesar de ter gostado da leitura, não me atrevo a indicar o livro.

GARCIA-ROZA, Luiz Alfredo. O silêncio da chuva. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

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Essa leitura faz parte do Desafio Literário 2012  cuja temática do mês de Julho era a leitura de ganhadores do Prêmio Jabuti.

Aqui é possível ler as resenhas dos outros participantes.

Memórias Póstumas de Brás Cubas

“Com efeito, um dia de manhã, estando a passear na chácara, pendurou-se-me uma idéia no trapézio que eu tinha no cérebro. Uma vez pendurada, entrou a bracejar, a pernear, a fazer as mais arrojadas cabriolas de volatim, que é possível crer. Eu deixei-me estar a contemplá-la. Súbito, deu um grande salto, estendeu os braços e as pernas, até tomar a forma de um X: decifra-me ou devoro-te.”

Eu sempre espero muito de Machado de Assis e foi com expectativas inflacionadas que me lancei a leitura de Memórias Póstumas de Brás Cubas, livro que é considerado a obra inaugural do realismo na Literatura Brasileira, mas não adianta, por mais altas que sejam as expectativas Machado de Assis nunca me decepciona, nunca.

Nem tinha como eu não gostar de uma obra que tem essa dedicatória:

"Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas".

Sem contar que ela já mostra a que veio logo nas primeiras linhas. A ironia e crítica social que permeia toda narrativa são grandes trunfos da história que o defunto-autor, não confunda com um “autor defunto”, nos conta.

A história de Brás Cubas, contada por ele mesmo do além, abrange desde a infância até a sua morte, mas nada disso é contado de forma linear, os acontecimentos vão sendo contados conforme vão surgindo na lembrança do defunto, é como um fluxo de ideias se sobrepondo, uma coisa puxa a outra e assim vamos sendo conduzidos pelas memórias deste senhor que na morte, já despido de qualquer expectativa, tece uma gama de considerações pra lá de pertinentes sobre a sociedade.

Enfim uma leitura que ainda hoje se mostra atual e coerente, é como disse no início da resenha, Machado de Assis nunca me decepciona e Memórias Póstumas não foi exceção à regra, bem ao contrário, só confirmou a genialidade do autor.

“Não tive filhos. Não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria."

MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria. Memórias Póstumas de Brás Cubas. Porto Alegre: L&PM, 2007.

Esta leitura foi feita para o Desafio Literário cujo tema de agosto era a leitura de um Clássico da Literatura Brasileira.

Os Sete Selos

"Ah Deus!

– Porque vocês continuam falando o nome dele? Acreditem em mim, Ele não vai ajudar agora. Na verdade, eu espero que Ele não atrapalhe”. pg. 55

Uma organização denominada de a “Agência” cuja finalidade é lidar com eventos sobrenaturais, se depara com acontecimentos que estão além da compreensão até mesmo de seus mais renomados especialistas. Diante desta situação uma equipe bastante incomum se forma: uma agente cumprindo suspensão, um ex-agente expulso por mau comportamento e um demônio. É deles a missão de descobrir quem matou o bispo Claude e porque.

A personagem central é Lara Carver, uma jovem e brilhante agente que tem problemas em lidar com hierarquia e protocolos, é através dos olhos dela que vemos a narrativa se desenvolver. Depois de se ver obrigada a conviver com o demônio Lucius, assassino de seu pai e também com seu amigo de infância Jason, ela começa a descobrir os motivos que levaram os anjos a iniciarem uma guerra contra os humanos e principalmente sobre si mesma.

A narrativa é simples, mas a história é bastante rica e prende a atenção até mesmo nos momentos em que aparecem algumas incongruências em relação à idade da protagonista: na sinopse nos é informado que ela tem 21 anos, mas em outras duas passagem ela tem respectivamente 23 e 25 anos, e temos também outras informações adicionais com relação a amizade dela com Jason que fazem com que estes dados fiquem ainda mais confusos.

Já Lucius é uma personagem realmente fascinante e a que mais me cativou, fiquei com um gosto de quero mais em relação a ele, de saber sobre sua personalidade peculiar mais aprofundadamente, de compreender os intrincados acontecimentos que o levaram a ser como ele é.

O texto podia ter sido melhor lapidado e alguns aspectos da história melhor amarrados, mas para além destes pontos negativos a autora se apropriou de mitos e simbologias de forma bastante criativa, conseguindo com isso construir uma história empolgante sobre uma temática muito explorada.

SALAZAR, Luiza. Os Sete Selos. São Paulo: Editora Underworld, 2010.

Annabel & Sarah

"Não chegue a minha casa sem avisar. Surpresa boa mesmo é quando me dão chocolates sem que eu peça ou espere” (pg. 41)

Com um projeto gráfico que me agradou muito pela inovação e criatividade, “Annabel & Sarah” de Jim Anotsu foi uma grata surpresa, cheia de referências que vão desde a sétima arte até desenhos japoneses, o trecho que Annabel fala que Goku encontrou outra Esfera do Dragão me fez rir muito.

A trama, claramente inspirada em Lewis Carrol e Neil Gaiman, gira em torno de duas irmãs gêmeas, Annabel e Sarah que em comum só tem mesmo o DNA e a data de nascimento de tão diferentes que são e que ao serem obrigadas a passarem um final de semana juntas na companhia do pai se veem dentro de um bar abandonado decorado com pinturas de Andy Wharol onde a aventura tem início quando uma TV que se liga sozinha e puxa Sarah para outro mundo. Sem muitas opções Annabel parte em busca da irmã, depois de conversar com “Estrela da Manhã” que a instrui a procurar a flor “Amor Perfeito”.

A narrativa tem um ritmo muito interessante, pois assim como as duas irmãs são diferentes, sempre que estamos acompanhando cada uma delas em sua jornada nestes universos paralelos, somos apresentados a um texto totalmente diferente. Enquanto vemos Sarah em uma cidade totalmente distópica em que a felicidade é obrigatória e a tristeza punida severamente, Annabel é jogada em um mundo onde humanos são uma espécie em extinção e pandas são os caras maus. Já os Interlúdios foram uma sacada muito bacana porque eles contextualizam Annabel e Sarah levando a uma compreensão maior da personalidade das duas.

Uma das referências literárias que mais gostei foi o nome do lobo detetive Op Spade, que apenas quem leu O Falcão Maltês de Dashiell Hammet consegue captar, as referências são um dos grandes trunfos do livros, mas que podem passar totalmente despercebidas para o leitor com uma bagagem literária diferente. Kerouac e a Ilha da Expectativa são outros nomes curiosos que denotam o quão curiosa é a personalidade, não dos personagens mas do próprio autor que se despiu de seu próprio nome e construiu um autor-personagem que se coloca em cada uma das referências que permeiam o texto instigando a curiosidade do leitor.

Para além das referências, mas ainda esbarrando nelas, uma personagem que merece destaque é o cientista Cody Corso que inventou uma máquina que se chama Uivo (aqui não consigo deixar de pensar em Allen Ginsberg) que realiza viagens espaço-temporais pela Surdez, que nada mais é que o fino invólucro que separa os diversos mundos, aqui temos um jogo de palavras bastante engenhoso.

A idade que Jim Anotsu tinha quando escreveu a história talvez justifique o domínio da linguagem ainda imaturo, mas ele é um autor promissor, que conseguiu já em seu livro de estreia imprimir um ritmo fluido à narrativa somado a um estilo muito convidativo à leitura.

ANOTSU, Jim. Annabel & Sarah. São Paulo: Editora Draco, 2010

Caminhos Cruzados, Érico Verissimo

Caminhos Cruzados (Globo, 299 páginas), de Érico Veríssimo é uma obra que sempre surpreende. A história não tem personagens centrais, não tem heróis nem mocinhas. É uma teia de histórias que se entrelaçam de uma maneira tão real, tão possível que até assusta.

Fica ao gosto de leitor decidir qual história é central, se é a de Fernanda ou Chinita quem sabe, ou mesmo a de Janjoca, ou talvez de Cacilda? Certo apenas é que nos enveredamos por dramas reais e imaginários, vidas sofridas e vidas felizes.

Cada personagem se apresenta de maneira única, cada um deles é um universo dentro da tecitura criada pelo autor, mas todos eles se encontram interligados por estes caminhos cruzados.

As personagens são uma perfeita caricatura da sociedade Porto Alegrense ainda na época dos casarões do Moinhos de Vento, é fácil nos ansiarmos diante da demagogia hipócrita de Leitão Leiria e sua fervorosa esposa dona Dodô, sempre posando de bons cristãos, mas apenas dois espíritos ???? revestidos pelo simulacro da caridade e da benevolência. Ou então nos compadecermos da situação de João Benévolo, amante dos livros, desempregado, sem perspectivas e com mulher e filho.

Quem sabe a identificação venha com Fernanda, guria boa, pobre, que trabalha de sol a sol, cuida da mãe, do irmão e sonha com Noel, este moço que vive no mundo da fantasia, recebendo mesada do pai, ignorado pela mãe.

A miríade de personagens torna fácil se perder no meio de tantas nuances, de tão diversas personalidades e é isto que dá graça e corpo a esta história que não é só uma, mas múltiplas histórias de caminhos cruzados.

A vida, prezado leitor, é uma sucessão de acontecimentos monótonos, repetidos e sem imprevisto. Por isto alguns homens de imaginação foram obrigados a inventar o romance. (Professor Clarimundo)

estrelinhas coloridas…

Os aparados, Letícia Wierzchowski

lw_os aparados Os aparados (Record, 2009, 236 páginas), de Letícia Wierzchowski é uma história que se passa em um futuro indefinido, onde as chuvas já alagaram grande parte das cidades e nos conta a história de Marcus e Débora, avô e neta. Diante do caos que tomou conta de Porto Alegre, Marcus decide levar Débora que está grávida de 7 meses para a casa que tem na região dos aparados da serra.

A indefinição temporal da história é desconcertante e detalhes como carros híbridos, movidos tanto à gasolina como à luz elétrica e acesso à internet no alto dos aparados deixam a obra com um ar de ficção científica, mas a trama está para além disso, pois Letícia volta sua escrita para as relações humanas, o que torna secundária as alegorias futurísticas dando muito mais dramaticidade as complexas relações entre o avô e a neta.

A relação entre Marcus e Débora é conturbada e distante, eles são a única família um do outro, mas são completos estranhos. A morte da mulher e da filha, da avó e da mãe deixaram marcas profundas nos dois, e os afastou ainda mais. Marcus vê a gravidez de Débora como o único laço a unir os dois, mas ela não pensa assim, e quer de qualquer maneira fugir do controle do avô.

A tensão é quase como uma personagem, está ali sempre presente, se fazendo sentir em cada entrelinha, o que torna a narrativa e a evolução do relacionamento dos dois ainda mais dramática.

É uma boa história, densa, bem construída, com pitadas de realismo fantástico, bem características de alguns escritos da autora, bastante peculiar e cheia de surpresas.

Ele sussurra algumas palavras, agradece essa visita, essa súbita união de espaços, esse vacilo da engrenagem da vida.

Como um presente, encontrou esta brecha na tecedura do Tempo.

estrelinhas coloridas…