Maya

” – Qual é então a finalidade da vida?

– Já disse que não sei. Só digo que o Universo não carece de sentido. A evolução da vida na Terra é um processo muito mais espetacular do que o mito de criação mais grandiloquente.” (pg. 285)

Faz anos que Maya, do Jostein Gaarder me espreita na estante, pelo menos uns 9 anos, simplesmente porque eu sempre me senti um pouco intimidada pela temática do livro, que gira em torno das eternas perguntas: Quem sou eu? Qual o objetivo da minha existência? Não sei bem porque desse sentimento até porque já li várias obras do autor e gostei de todas elas, Gaarder tem um estilo de escrita que me agrada muito, ele consegue criar uma estrutura ficcional fantástica e a usa para refletir sobre questões fundamentais da humanidade, que no caso de Maya é a origem do Universo e da vida.

Para dar conta de refletir sobre um assunto tão complexo o autor dá voz a um paleontólogo norueguês, um casal de espanhóis e um escritor inglês. O ano em que se inicia a narrativa é 1998, e os quatro estão em Taveuni, uma pequena ilha da República das Ilhas Fiji, que supostamente será o primeiro lugar do planeta a adentrar o novo milênio. A interferência de uma salamandra que todas as noites sobe na garrafa de gim de Frank e começa repreende-lo pela maneira como os seres humanos, ou melhor os primatas da sua laia, agem como se quisessem com todas as forças destruir o planeta, é hilariante, os diálogos filosóficos entabulados pelo palentólogo e pelo anfíbio fazem a leitura leve e divertida.

“Quando cai a noite, por volta das seis da tarde, a palavra viva passa a ser protagonista. Talvez uma pessoa tenha estado pescando, talvez outra tenha tido uma experiência nos bosques profundos, uma terceira pode ter topado com um americano perdido na foz de algum rio: todos têm algo a contar. Também se mantém viva uma antiga tradição de mitos e lendas, porque em Taveuni não há outra diversão além daquela que cada um cria.” (pg. 40)

Sempre que leio Jostein Gaarder a imagem que se forma é daquelas bonequinhas russas em que uma fica dentro da outra, as Matrioshkas, há sempre uma história dentro da história e isso me fascina, porque nada é o que parece. Saindo de Taveuni, somos levados por diversos lugares e tempos, para compreender como fatos aparentemente desconexos como as piruetas de um anão no porto de Cádiz, em 1790, o conceito de maya da filosofia hindu, a presença do pintor Goya na casa de campo da duquesa de Alba, no fim do século XVIII, as tradições dos ciganos andaluzes e até mesmo o o período devoniano em que apareceram os primeiros anfíbios se interligam.

Com reflexões tão densas poderia se imaginar que a leitura é enfadonha ou cansativa, mas não, e isso é o que mais em encanta no autor, ele consegue nos levar por caminhos e assuntos tortuosos de forma que o percurso seja agradável, quando percebemos já estamos mergulhados na sua trama intrincada, querendo saber como ele vai amarrar todas as pontas de tão fantástica história.

“Criar um mundo inteiro tem necessariamente considerada uma façanha louvabilíssima, mesmo que tivesse causado ainda maior admiração se um mundo inteiro tivesse sido capaz de criar a si mesmo. E vice-versa: a exeriência de ter sido criado não é nada em comparação com a incrível sensação de quem criou a si mesmo do nada e pode ficar de pé sem a ajuda de ninguém.” (pg.53)

A leitura de Maya só reforçou a adimiração que tenho pelo autor e pela força de sua escrita, ele consegue trazer para o campo da literatura debates e reflexões que considero muito pertinentes para a compreensão do ser humano, sem dúvida uma obra enriquecedora.

“somos o enigma que ninguém sabe resolver” (pg. 64)

“Precisa-se de bilhões de anos para criar um ser humano. E ele só precisa de alguns segundo para morrer.” (pg. 391)

GAARDER, Jostein. Maya. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

Esta leitura faz parte do Desafio Literário 2012, cujo tema de Fevereiro é a leitura de livros cujos títulos sejam nomes próprios.

Aqui é possível ler as resenhas dos outros participantes.

Uma opinião sobre “Maya

  • 17 de fevereiro de 2012 em 10:16
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    De Garden li “O Mundo de Sofia” e fui uma exceção na escola onde estudei: fui o único que não gostou do livro; mas na época, assim como hoje, olhava meio torto para a filosofia. Esse primeiro contato mal-sucedido me afastou de tudo o mais do escritor, quem sabe um dia retorne.

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    • 17 de fevereiro de 2012 em 12:15
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      @Luciano A.Santos, muitas vezes nos falta maturidade para certas obras, pode ser isso, mas se tu quiseres dar uma chance ao Gaarder te recomendo que leias “A biblioteca mágica de Bibbi Boken” ou “O dia do curinga”.
      estrelinhas coloridas…

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  • 17 de fevereiro de 2012 em 15:18
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    mimuller,

    Isso é verdade. Em 2010 reli, depois de alguns anos, Martin Eden, do Jack London, e o livro em pareceu bem melhor, consegui absorvê-lo mais. Quero fazer o mesmo com Os Mandarins, da Beauvoir, e A Nascente, da Ayn Rand, dois grandes livros que li ainda muito novo.

    Abraços.

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  • 21 de fevereiro de 2012 em 19:23
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    Ótima resenha! Adorei a analogia com as bonequinhas russas. Esse lance filosófico é a marca do autor, né? A tal salamandra me lembrou o “Homem-metro” do livro “O vendedor de histórias”, até agora o único que li do autor. Mas outros aguardam pacientemente na fila e acho que vou gostar muito.
    bjo

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    • 28 de fevereiro de 2012 em 01:26
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      Oi @Michelle, esse lance filosófico está mesmo presente em todas as narrativas do Gaarder, acho que isso que me encanta nele. Ainda não li “O vendedor de histórias” hehehehehe…
      estrelinhas coloridas…

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