Em Fahrenheit 451 que livro você seria?

Em um futuro alternativo, os livros são queimados pelos bombeiros e algumas pessoas para garantir que as histórias sejam preservadas, decoram um livro, palavra por palavra e passam a atender pelo título da obra.

Nesta realidade eu escolheria ser "Cartas a um jovem poeta", de Rilke por tudo que a obra significou para mim e por acreditar que as palavras nele contidas precisam ser perpetuadas seja da maneira que for.

Este post faz parte da blogagem coletiva “Em Fahrenheit 451 que livro você seria?” criada pelo Alessandro Martins do blog Livros e Afins. Confira as respostas dos outros participantes aqui: Em Fahrenheit 451 que livro você seria? – Respostas

Os Vendilhões do Templo

Só que duvidava dessa possibilidade. Duvidava que o homem fosse capaz de fazer milagres. Por uma simples razão: se estava a seu alcance realizar tais prodígios, por que continuava pobre, usando vestes comuns, andando no meio da multidão? Por que não produzia, do nada, ouro, palácios, manjares, mulheres?” (pág. 86)

A primeira leitura do mês de março foi encharcada de emoções, quando fiz minha lista para o desafio elegi um livro de Moacyr Scliar, Os vendilhões do templo, e no dia 27 de fevereiro este autor que admiro demais faleceu, e foi ainda em choque que dois dias depois começar a ler este romance que se estende por três épocas diferentes, todas interligadas pela história bíblica dos vendilhões do templo.

O episódio bíblico da expulsão dos vendilhões do templo descrito nos versículos 12 e 13 do capítulo 21 do evangelho de Mateus: “e entrou Jesus no Templo de Deus, e expulsou todos os que vendiam e compravam no Templo, e derrubou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombos. E disse-lhes: ‘Está escrito: a minha casa é casa de oração, mas vós fizestes dela um covil de ladrões’” é o ponto de partida da narrativa.

Na primeira parte nos encontramos em Jerusalém no ano 33 d.C. E vemos várias passagens bíblicas além dos versículos citados acima pela ótica de um dos vendilhões do templo, e nesta narrativa reside uma das riquezas do texto de Scliar, porque ele humaniza o vendilhão, nos mostrando suas virtudes, seus pecados e também que ele era um protótipo do capitalista moderno: inventivo, empreendedor, sedento de lucros.

A segunda parte dá um salto no tempo e vamos parar no ano de 1635 em uma pequena missão jesuítica no sul do Brasil. Chegamos lá junto com o padre Nicolau que deverá substituir padre Manuel que já está muito velho, no entanto as dificuldades começam a se apresentar logo, pois o idoso padre morre antes que o jovem jesuíta aprenda a falar guarani e ele não consegue se comunicar com os índios. Quando o padre está perto de entrar em desespero aparece a figura do enigmático Felipe que se propõe a servir de intérprete para o padre. Nesta parte também são retomados alguns elementos bíblicos, demonstrando principalmente como as mensagens do Mestre chegaram até a pequena aldeia um tanto distorcidas. A passagem bíblica dos vendilhões aparece quando o padre não sabe como agir com um velho índio que expõe suas esculturas de pombos feitas em madeira, na porta da capela. O desfecho desta parte da narrativa deixa muitos questionamentos em aberto que só vão ser respondidos na parte final do romance.

A terceira parte se passa em 1997, na fictícia São Nicolau do Oeste, cidade que se originou da missão jesuítica, cujo nome homenageia o nosso já conhecido padre Nicolau. Ela é narrada em primeira pessoa pelo assessor de impressa da prefeitura que ao receber um telefonema de um antigo colega começa a relembrar de uma peça que ele e mais 3 colegas encenaram ao fim de um ano letivo e que culminou em uma tragédia. A peça, uma tentativa desesperada do amigo para passar de ano em matemática, é a encenação da passagem bíblica da expulsão dos vendilhões do templo, mas nesse caso há apenas um vendilhão, pois ninguém aceitou o ingrato papel, é nesta parte também que ficamos sabendo que as duas primeiras partes da narrativa são fruto de manuscritos do assessor.

Nas três narrativas fui percebendo elos de ligação mais amplos que a história dos vendilhões do templo, religião, dinheiro, política e poder estão em todos os três em maior ou menor grau e nos levam invariavelmente aos questionamentos.

Fiquei surpresa com a divisão do livro em três partes que a princípio me pareceram novelas, mas conferindo a ficha catalográfica vi que é mesmo romance, e também porque esperava uma história no mesmo estilo do excelente “A mulher que escreveu a bíblia”, essa expectativa se deve é claro à temática religiosa dos dois e a distância entre os dois livros só serviram para me lembrar o quão bom contador de histórias é Scliar, ele conseguiu me surpreender com uma história bem diferente da que imaginei, e eu adoro isso.

SCLIAR, Moacyr. Os vendilhões do templo. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

Esta leitura é a primeira para o Desafio Literário 2011 cujo tema do mês de março é a leitura de obras épicas.

Confira no blog do Desafio as resenhas dos outros participantes.

 

 

Coisas Frágeis

“Acho que posso afirmar sempre ter suspeitado que o mundo fosse uma farsa barata e tosca, um péssimo disfarce para algo mais profundo, mais esquisito e infinitamente mais estranho, e de alguma forma sempre ter sabido a verdade”

Eu adoro saber o que inspira os escritores e já na introdução de Coisas Frágeis, Neil Gaiman me brindou com breves relatos de qual foi a motivação para a escrita de cada um dos nove contos do volume, que vão de Sherlock Holmes a Crônicas de Nárnia com uma parada em Matrix.

Um dos contos que mais gostei foi “A vez de outubro”, primeiro porque ele traz uma história dentro de outra história, e segundo porque nela os meses do ano se reúnem em torno de uma lareira para contar e ouvir histórias, segundo Gaiman a história que Outubro conta foi um exercício para a escrita do excelente Livro do Cemitério.

Ainda não li Deuses Americanos, cujo personagem Shadow aparece no conto O monarca do vale, mas isso não interferiu na leitura, adorei o conto e não me senti perdida na leitura, nele Shadow vive uma aventura na Escócia, onde é contratado para ser segurança em uma festa estranha. A história é uma homenagem ao poema épico Beowulf – que já virou filme com roteiro do próprio Neil Gaiman.

Gostei muito de saber que Gaiman também se incomodou com o final da personagem Susan, de Crônicas de Nárnia e que criou uma versão “alternativa” para ela. Um estudo em esmeralda, claramente inspirado em Conan Doyle também é uma releitura excelente e foi escrita a partir do pedido do amigo Michael Reaves: “Quero um história que junte Sherlock Holmes e o mundo de H. P. Lovecraft” o conto é muito bom e em 2004 ganhou merecidamente o Prêmio Hugo como melhor conto.

Gaiman sempre me surpreende, ler suas obras nunca é entediante, os contos deste volume não fogem à regra e me proporcionaram momentos ótimos. A variedade de temáticas também é um ponto positivo pois empregam à leitura um ritmo fluido e leve.

Contos:

Um Estudo em Esmeralda
A Vez de Outubro
Lembranças e Tesouros
Os Fatos no Caso da Partida da Senhorita Finch
O Problema de Susan
Golias
Como Conversar com garotas em Festas
O Pássaro-do-Sol
O Monarca do Vale

GAIMAN, Neil. Coisas Frágeis. Tradução Michelle de Aguiar Vartuli. São Paulo: Conrad, 2010.