– Bem-vindos à livraria Hyunam-dong, Hwang Bo-reum

Quem me conhece sabe que adoro romances que trazem jornadas de cura, aquelas histórias em que os personagens vão se reencontrando com alguma versão mais verdadeira de si mesmos, aos poucos, com pequenas descobertas no cotidiano, por isso escolhi para iniciar as leituras de 2025, o livro “Bem-vindos à livraria Hyunam-dong”, da escritora sul-coreana Hwang Bo-reum, a leitura parecia promissora. E, de certo modo, até foi, mas foi também uma leitura com altos e baixos. Dei 3 estrelas (e só não dei menos por causa da minha amiga Rê, que sempre acredita no potencial de uma leitura, mesmo quando eu fico meio empacada no meio do caminho 😅).

A proposta do livro é gostosinha: uma mulher decide mudar de vida e abrir uma pequena livraria num bairro tranquilo de Seul. O cenário convida a desacelerar, tomar um café imaginário e se deixar envolver por essa rotina silenciosa dos livros e dos encontros com pessoas que, aos poucos, vão se tornando parte de algo maior. A narrativa é leve, e em alguns momentos até poética mas, pra mim, faltou ritmo. Achei o livro um pouco monótono em certos trechos, com algumas cenas e diálogos que pareciam se repetir mais do que avançar.

Um detalhe que me incomodou bastante foi o uso da linguagem. A ausência de pronomes em alguns trechos e a repetição de certas estruturas deixaram a leitura cansativa, como se as frases nunca saíssem de um mesmo lugar. Sei que pode ter sido uma escolha da tradução ou do estilo original da autora, mas acabou me tirando da imersão que esse tipo de história geralmente me proporciona.
Ainda assim, há reflexões bonitas e silenciosas que me encantaram. Gostei especialmente deste trecho em que a protagonista diz:

“É difícil manter o foco nos nossos próprios desejos quando somos levados pelas expectativas dos outros. Mas é nesse esforço que, aos poucos, a gente aprende a viver.” (p. 87)

No fim das contas, foi uma leitura gostosa e que funcionou bem para o momento em que eu só queria uma leitura tranquila, sem pressa, com personagens comuns vivendo pequenos dilemas do dia a dia.

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Que a força da Leitura esteja com você ・゚

S.

Eu escolhi S. (J. J. Abrams e Doug Dorst.) como minha leitura de fevereiro do Desafio Corujesco, cujo tema era uma aventura no mar, porque uma parte deste labirinto literário se passa em um navio. Contudo S. é muito mais do que uma aventura marítima, ele é uma intricada obra de arte, cheia de mistérios e maravilhas.

Meu primeiro contato com essa obra foi logo no lançamento, bastou ler uma ou duas vezes sobre ele e já estava na minha lista de querências literárias. Apesar de logo já ter comprado o livro, acabei ficando um pouco receosa de iniciar a leitura e fui adiando, adiando… e adiando. Até que aproveitei a deixa do desafio e coloquei ele na jogada.

Para começar é necessário deixar claro que S. é uma obra bem peculiar, pois se trata de uma experiência literária e não apenas de um livro. A obra central chamada “O Navio de Teseu”, escrita por V.M. Straka é o ponto de partida desta aventura que nos conecta também com a história de Jennifer e Eric que se comunicam através de anotações nas margens do livro na tentativa de desvendarem os mistérios que cercam o autor V.M. Straka.

Eu segui um esquema de leitura para facilitar a compreensão da obra, existem várias maneiras de se lançar nesse universo, escolhi a que me pareceu mais lógica pois segue uma ordem cronológica na leitura das anotações de Eric e Jennifer.

Meu esquema de leitura

 

Na trama central de “O Navio de Teseu” conhecemos um homem sem lembranças de seu passado que é obrigado a embarcar em um navio misterioso se envolvendo em uma perigosa jornada. Este homem é chamado de S. e é a sua perspectiva que acompanhamos durante a leitura da obra principal. A leitura desta parte é labiríntica, cheia de divagações, reviravoltas e metáforas, tornando a leitura um pouco mais arrastada mas não menos interessante.

A leitura da trama dentro da trama, que envolve a história de Jennifer e Eric foi mais ágil e fluída. Os diálogos entre os dois se desenrolam nas margens do exemplar do livro que pertence à Eric e a impressão que temos é de que somos furtivos observadores da intimidade alheia. Os dois se lançam em uma investigação para tentar descobrir quem foi Straka, mas acabam descobrindo muito mais sobre si mesmos.

O projeto gráfico do livro é uma obra prima. Inclui diversos anexos que complementam a narrativa da investigação e tornam o percurso da leitura muito interessante. O capricho da edição brasileira é visível em todos os detalhes primorosos que incluem o aspecto envelhecido do livro, mapa desenhados à mão em guardanapo, cartões postais e muito mais.

Anexos

A experiência com S. foi muito peculiar e interessante, não é uma leitura que recomendo a todo leitor pois ela exige bastante e quem está iniciando no mundo da leitura pode achar cansativo, contudo para aqueles leitores, iniciantes ou não, aventureiros e destemidos é sem dúvida uma experiência que vale à pena!

Que a força da leitura esteja com você!

A Evolução de Calpúrnia Tate

Sem título-1A Evolução de Calpúrnia Tate me chamou atenção pela capa, fiquei encantada com a arte em preto e amarelo. Um rápida leitura da sinopse me fez decidir dar um chance para o livro e foi com uma alegria pulsante que durante o percurso dessa leitura me dei conta de que havia sido presenteada com uma das histórias mais doces, singelas e fortes que fiz no primeiro semestre desse ano.

O livro nos conta a história de Calpúrnia Virgínia Tate, ou simplesmente Callie Vee, uma menina de 11 anos, que vive no Texas em 1899. Não é difícil imaginar que a vida não era muito fácil para uma menina nessa época, ainda mais quando se é a única filha entre sete filhos.
Ela é uma menina muito curiosa e observadora, e quando seu irmão Harry lhe presenteia com uma caderneta de couro vermelho, afirmando que ela é uma naturalista em formação, inicia uma aventura para se tornar mesmo uma naturalista sem nem ao menos saber o que isto significa.

Depois do e ganhar a caderneta ela começa a registrar hipóteses e questionamentos sobre suas observaçãos da natureza e a pergunta propulsora da “evolução” de Calúrnia surge quando ela encontra uma espécie de gafanhoto diferente dos demais, por que eles são maiores e com uma cor amarelada é algo que intriga a menina de tal maneira que ela parte em busca de respostas que a observação não dá conta de responder.

Essa busca faz com que ela procure o livro A Origem das Espécies, de Charles Darwin na biblioteca da cidade, o que causa um estranhamento muito grande da bibliotecária.  O que Calpúrnia não fazia ideia é que seu avô, Capitão Walter Tate, um naturalista considerado pela família como esquisito e excêntrico, tem um exemplar do precioso livro. A curiosidade sobre os gafanhotos aproxima os dois e juntos começam a construir uma relação muito diferente da que tinham até então.

O livro é uma dessas leituras que acalentam o coração, é delicioso acompanhar o crescimento do companherismo e a amizade do avô e da neta através da mútua paixão pela ciência. Calpúrnia é uma cientista nata, uma menina à frente de seu tempo, que amadurece muito com a mediação do avô, ampliando seu conhecimento do mundo, isso também faz com que ela perceba o quanto o papel designado à mulher em 1899 é muito diferente daquele que ela almeja.

“Limpei a garganta: – Vovô… – depois, perdi a coragem.
– Sim, Calpúrinia?
– As meninas… As meninas também podem ser cientistas – nós dois fingimos não ouvir o tremor na minha voz. – Não podem?
Ele deu uma boa baforada no seu charuto, depois bateu a cinza.
(…)
– Você lembra de quando nos sentamos perto do rio alguns meses atrás e conversamos sobre Copérnico e Newton?
– Lembro – como é que eu poderia me esquecer?
– Nós não falamos sobre o elemento da senhora Curie? Sobre a coruja-do-mato da senhora Maxwell?
– Não.
– Sobre as equações da senhorita Kovalevsky? As viagens da senhorita Bird às Ilhas Sanduíche?
– Não.
– Quanta ignorância – ele murmurou, e logo lágrimas saltaram aos meus olhos. Eu era uma menina tão ignorante? Ele continuou: – Por favor, perdo-me pela minha ignorância, Calpúrnia. (…) Deixe-me contar sobre essas mulheres.”  (pg. 291-291)

Essa leitura me tocou profundamente de muitas formas, principalmente pela empatia à primeira vista que tive com Calpúrnia, tenho um fraco por protagonistas femininas que se sentem deslocadas e diferentes quando na verdade são pioneiras, e que se empoderam através da ciência e do conhecimento rompendo paradigmas. Outro ponto que me  agradou foi que esse processo de evolução de Calpúrnia se deu através da relação linda dela com o avô, Capitão Tate é um rabugento carismático que pulsa paixão pela ciência de tal forma que contagia.

“O vagalume de Travis foi, na verdade, o único avistado naquela noite. Embora eu soubesse que dali a um ano os vagalumes voltariam, pareceu a extinção da espécie. Como é triste ser o último da sua espécie, sinalizando no escuro, sozinho, para o nada. Contudo, eu não estava sozinha, estava? Tinha aprendido que havia outras do meu tipo, lá fora.” (pg. 293)

A Evolução de Calpúrnia Tate é daqueles livros que apesar de terem uma história fechada  deixam um gosto de quero mais, sendo assim fiquei muito feliz ao saber que o livro tem uma continuação (The Curious World of the Calpúrnia Tate) ainda sem previsão de lançamento no Brasil. Reforço o encantamento que tive ao ler essa história que pode enganar à primeira vista mas que se mostra uma jornada de auto-conhecimento e do poder de sonhar e  de lutar por aquilo em que se acredita.

KELLY, Jacqueline. A evolução de Calpúrnia Tate. São Paulo: Editora Única, 2014.

Razão e Sentimento, Jane Austen

razao-e-sentimento– […] A grandeza não vai me trazer felicidade.
– Seria estranho se trouxesse! – exclamou Marianne. – O que é que a riqueza ou a grandeza têm a ver com a felicidade?
– A grandeza tem bem pouco – disse Elinor -, mas a riqueza tem muito a ver com ser feliz.
– Elinor, que vergonha! – disse Marianne. – O dinheiro só pode proporcionar felicidade quando não há nada mais que a proporcione. Além de uma subsistência, ele não pode oferecer nenhuma satisfação autêntica, na medida em que um mero interesse pessoal está em causa.
– Talvez – disse Elinor, sorrindo – possamos chegar a um mesmo ponto de entendimento. A sua subsistência e a minha riqueza são muito semelhantes, ouso dizer, e sem elas, com o mundo que temos hoje, ambas concordaremos que todos os tipos de conforto externo estarão indisponíveis. Suas ideias são apenas mais nobres do que as minhas. Diga-me, qual é a sua ideia de subsistência?
– Cerca de 1.800 ou 2 mil libras por ano, não mais do que isso .
Elinor riu
– Duas mil libras por ano! Mil é a minha riqueza! Imaginei como isso acabaria. (pg. 106)

A trama central da história gira em torno das irmãs Elinor e Marianne Dashwood, que após a morte do pai ficam em uma situação muito complicada e perdem inclusive a casa ondem moravam. Junto com a mãe e irmã mais nova, Margareth, elas se mudam para um pequeno chalé, em Devonshire, oferecido por um parente distante. Na nova morada as quatro Dashwood são calorosamente acolhidas por todos e logo Marianne se encanta com Willoughy, o relacionamento entre os dois jovens evolui de tal forma que todos tem o casamento entre eles como fato praticamente consumado, os únicos que se mantém reticentes quanto à isso são o Coronel Brandon, um homem gentil de 35 anos, o que o torna muito velho segundo os padrões de Marianne e Elinor pois, ela acredita que o casal deveria ser menos ostensivo quanto aos seus sentimentos antes de assumirem publicamente o noivado.

Elinor, que representa a razão do título da obra, muito pouco deixa transparecer de seus sentimentos para as outras pessoas com as quais convive, no entanto isso não a isenta do sofrimento e da aflição, antes de partir de Norland ela conheceu Edward Ferrars e apesar do temperamento discreto e reservado de ambos, eles claramente se encantam um com o outro e não é sem dor no coração que a jovem descobre que a família do rapaz se opõe fortemente a um relacionamento entre os dois apesar do meio-irmão mais velho dela ser casado com a irmã dele.

Uma das características que gosto nas histórias da autora é que ela cria personagens muito humanos, alguns são tão, mas tão verossímeis que chegam a irritar, como é o caso da Sra. Jennings por quem nutri durante toda a narrativa sentimentos conflitantes, pois embora muitos a considerem generosa, e ela de fato é em alguns momentos, a característica que mais me salta aos olhos é sua capacidade de se outorgar o direito de decisão sobre a vida alheia. Já o casal Willoughy e Marianne comungam de particularidades capazes de me fazerem querer arrancar os cabelos: são preconceituosos, egoístas e mimados mas acima de tudo julgam os outros sem nem ao menos tentar se colocar no lugar do outro.

“- Se o senhor apenas nos permitisse saber qual é esse seu negócio – disse a sra. Jennings -, teríamos condições de analisar se ele poderia ser adiado ou não.
– O senhor sairia tão somente seis horas mais tarde , ou nem isso – disse Willoughy -, se tivesse de adiar sua viagem até nosso retorno.
– Eu não posso me dar ao luxo de perder sequer uma hora.
Então Elinor ouviu Willoughby dizendo, em voz baixa, para Marianne:
– Há certas pessoas que não são capazes de suportar um passeio prazeroso. Brandon é uma delas. Ele ficou com medo de apanhar um resfriado, ouso dizer, e inventou esse truque para se safar. Eu apostaria cinquenta guinéus que a carta era de seu próprio punho.
– Não tenho dúvida disso – respondeu Marianne.” (pg. 79)

Elinor é sem dúvida minha personagem favorita, apesar de achar que muitas vezes ela sofre desnecessariamente, ela é o tipo de pessoa que se importa genuinamente com o outro, consegue se questionar e refletir sobre as motivações de atitudes aparentemente levianas, essa postura perante a vida é o que me faz admirar essa personagem que por vezes parece guiar sua vida pela opinião dos outros, mas que na verdade é apenas uma jovem inteligente que sabe quais brigas vale a pena comprar.

“Não Marianne, nunca. Minha doutrina nunca visou à sujeição do entendimento. Tudo que sempre tentei influenciar foi o comportamento. Você não deve confundir o que quero dizer. Sou culpada, confesso, de ter desejado muitas vezes que você tratasse os nossos conhecidos, de um modo geral, com maior atenção; mas quando foi que aconselhei a você que adotasse os sentimentos deles ou se conformasse ao julgamento deles em assuntos sérios?”

Razão e Sentimento foi o quarto livro de Jane Austen que li e ele só veio confirmar a minha adoração pela escritora, alguns podem estranhar o título que no Brasil de maneira geral é traduzido como “Razão e Sensibilidade”, eu estranhei, mas isso foi só até terminar a leitura porque depois achei a escolha do tradutor Rodrigo Breunig muito apropriada, pois a palavra sentimento traduz de forma mais literal a personalidade de Marianne, visto que sensibilidade eu associo mais facilmente à capacidade de se colocar no lugar dos outros e a delicadeza dos sentimentos e esse não é o caso, visto que a personagem é uma pessoa visceral, que exacerba seus sentimentos de forma nua e crua, sem pudores.

Jane Austen, como sempre, criou uma história que vai muito além do que parece, para além da superficialidade das conversas e atitudes das personagens o que encontramos em Razão e Sentimento é uma profunda análise do ser humano e a forma como nos relacionamos em sociedade.

“Elinor concordou com tudo, pois não pensava que ele merecesse o elogio de uma oposição racional.” (pg. 269)

AUSTEN Jane. Razão e Sentimento. Porto Alegre: L&PM, 2012.

Desafio Corujesco: Um autor que indico para todo mundo

Juro que quando vi o tema do Desafio Corujesco proposto pela Lu, desatei a rir, por que convenhamos qualquer leitor do Bibliophile sabe quem será o indicado. Contudo, como também é factível que esse espaço precisa de renovação e dedicação, não vou me abster em falar do meu amado Gaiman, salve, salve!

“Lembre-se do seu nome.
Não perca a esperança – o que você procura será encontrado.
Confie nos fantasmas. Confie que aqueles que você ajudou vão ajudá-lo por sua vez.
Confie nos sonhos.
Confie no seu coração, e confie na sua história.”

Hoje vou falar um pouso de uma obra que ainda não apareceu por aqui, o belíssimo “Instruções: Tudo que você precisa saber durante a sua jornada”. O livro é de uma simplicidade absurda e ainda o poema sobre o que encontramos em uma jornada ao mundo dos contos de fadas é infinitamente encantador. Sua força reside justamente na delicadeza dessa história sobre descobertas e autoconhecimento.

instruções
O livro é ilustrado por Charles Vess, e ele como sempre, o faz de forma maravilhosa, particularmente adoro a parceria entre os dois. Instruções não é um texto inédito ele já foi publicado na coletânea Coisas Frágeis 2, mas isso não tira o brilho desta obra, que posso resumir como uma declaração de amor à fantasia.

Bônus: lista dos motivos pelos quais todo mundo deveria se converter à leitura de Neil Gaiman (em cinco itens):

1 – Gaiman tem o poder de escrever histórias que mexem com o leitor de formas nunca antes imaginadas.
2 – Gaiman é sarcástico e irônico sem perder a classe.
3 – Gaiman ressignifica histórias, transformando-as em algo totalmente novo
4 – Gaiman tem uma escrita peculiar que te prende, que te deixa sempre com um gosto de quero mais.
5 – Gaiman é gentil e fofo, e sim isso é motivo para ler sua obra 😉

O chamado do Monstro

chamadoEu encontrei O chamado do Monstro por acaso, a capa me chamou bastante atenção e depois de ler a contracapa decidi logo que seria minha próxima leitura.
O próprio livro tem uma história curiosa: a ideia original é da Siobhan Down, autora de A carne dos Anjos, que segundo Patrick Ness “criou os personagens, uma presmissa e um começo. Mas não teve, infelizmente, tempo de ir em frente.” Siobham faleceu de câncer e coube a Ness a tarefa de transformar o trabalho dela em um livro.
A história é sobre Conor O’Malley, um menino tímido de 13 anos que tem um vida bastante difícil. A mãe está gravemente doente, o pai mora em outro país com sua nova família, a avó materna é distante, ele sofre bullying na escola.
E além de tudo isso, o monstro aparece.
O monstro é um velho Teixo, que sempre esteve atrás da casa do menino, que subitamente ganha voz e movimento e ele vem atrás do que há de mais ameaçador: a verdade.

Essa é uma história forte, singela, linda e que mexe muito com o leitor. A narrativa é muito bem construída, cada detalhe está ali por que precisa estar. Somos tragados pelos sentimentos desesperadores de Conor e trilhamos com ele uma jornada de crescimento que não tem necessariamente um final feliz, mas indiscutivelmente libertador.
Certamente Jim Kay, o ilustrador da obra, cunhou a definição que mais se assemelha ao que vivenciei com essa leitura:

“Acredite, é uma história memorável. E devo alertar que não se pode controlá-la. Pegue seu livro, se esconda do mundo e se jogue nas engrenagens de um triturador emocional”.

A Editora Ática publicou uma animação muito bonita para o lançamento do livro.

NESS, Patrick. O chamado do monstro. Ilustração Jim Kay. Tradução Antonio Xerxenesky. São Paulo: Ática, 2013.

O Circo da Noite

Circo-da-Noite“Alguém precisa contar essas história. Quando batalhas são travadas, vencidas e perdidas, quando piratas encontram tesouros e os dragões comem seus inimigos no café da manhã acompanhados de uma bela xícara de chá, alguém precisa contar as próprias narrativas superpostas. Existe maga nisso. Está nas pessoas que ouvem, e será diferente para cada ouvido, e vai afetá-los de formas que nunca poderão prever. Desde o mundano até o mais profundo. Você pode contar uma história que passe a morar na alma de alguém , se transforme em seu sangue e seu propósito. Essa história vai motivar e impulsionar e quem sabe o que ela poderá fazer por causa disso, por causa das suas palavras. Esse é o seu papel, o seu talento.” Pg. 360

Eu li O circo da noite, por causa da Lu e de um comentário que o Alexandre deixou em um post aqui no blog, e não me arrependi. A obra é bastante singular, o ritmo foge do padrão frenético, alguns podem até argumentar que a narrativa é lenta e sem fluidez, mas para mim isso conferiu uma singeleza e um clima de suspense muito adequado à história.

Célia e Marco tem seus destinos traçados muito antes de se conhecerem, eles são criados por dois mágicos: Hector mentor e pai de Célia e Alexander, mentor de Marco, que os educam única e exclusivamente para participarem de um desafio de magia.

O palco da batalha entre os dois é o Le Cirque des Rêves (Circo dos sonhos), criação do visionário produtor Chandresh Cristophe Lefèvre, ele é concebido para ser um lugar mágico, misterioso e que assombre os espectadores com suas atrações sui generis. Não demora-se muito tempo para perceber que o circo é na verdade o personagem principal dessa história encantadora.

O foco narrativo não fica apenas em Célia e Marco, ou mesmo no circo, ele transita por uma miríade de personagens cativantes, como uma contorcionista japonesa, uma leitora de cartas de tarô, os gêmeos que nasceram no circo, o construtor de relógios e fã incontestável do circo, entre muitos outros. São várias coisas acontecendo ao mesmo tempo, e todas se entrelaçam na tessitura da melodia que embala essa história incomum.

Sem dúvida, O circo da noite é um livro singelo e peculiar que exige uma leitura atenta e apurada, mas que vale por sua aura de magia e extrema delicadeza. Ainda assim, concordo com a Lu e não indicaria a obra indiscriminadamente para todos, mas para alguns pode ser uma bela surpresa.

MORGENSTERN, Erin. O Circo da Noite. Tradução de Cláudio Carina. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2012.

O oceano no fim do caminho

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“No meu sonho, aquela era a lígua do que é, e tudo o que fosse falado nela se tornava realidade, porque nada dito com ela pode ser mentira. A língua é o fundamento da construção de tudo.” (p. 56)

Depois de dez anos, eis que surge um novo romance adulto do Gaiman, confesso que esperei pelo lançamento como se não houvesse amanhã 😉
Um leitor mais aplicado e que acompanha a obra de Gaiman facilmente encontra familiaridade com as referências presentes na história, o próprio Gaiman já falou em entrevistas sobre as ligações entre seus livros, e é sempre muito gratificante perceber o poder que ele tem de reinventar e articular o mesmo universo literário em histórias tão diferentes.
O oceano no fim do caminho tem um protagonista sem nome, que aos 47 anos retorna a sua terra natal para um enterro, e se vê recordando uma história há muito enterrada nas profundezas do seu subconsciente.
Somos sugados para as lembranças desse homem e a partir de então, vemos tudo sob a ótica de um assustado menino de 7 anos, que vê seu mundo ser povoado de acontecimentos e criaturas pertubadoras.
Gaiman é um mestre da escrita, sim isso soa um clichê, mas nem por isso deixa de ser visceralmente verdadeiro, poucos autores que li, conseguem fazer o que ele faz. Ele cria um universo onírico em que não sabemos mais se estamos apenas presenciando a explicação criada pela mente de uma criança para elaborar acontecimentos terríveis ou, se o horror mágico é mesmo real, o que é extremamente inquietante, porque na verdade as duas possibilidades são essencialmente perturbadoras.
A angústia é um sentimento constante durante a leitura, assim como a sensação inquietante de sentir-se encurralado e sem perspectivas. Contudo, a melancolia é pungente e sentimos que mesmo perturbado pelas lembranças, o menino sente uma nostalgia por tudo que viveu.
Enfim, Gaiman mais uma vez me surpreendeu e me fez amá-lo ainda mais, este é, como ele mesmo define, um “um livro sobre o poder que as histórias fornecem para enfrentar a escuridão dentro de cada um de nós.”

GAIMAN, Neil. O oceano no fim do caminho. Tradução de Renata Pettengill. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2013.

A arma da casa

armadacasaUma trama que a primeira vista parece simples, mas que no percurso vai se mostrando densa, profunda e inquietante. A narrativa é crua, sem rodeios e já nas primeiras linhas os fatos se descortinam, e a despeito da incredulidade dos pais, Duncan matou mesmo um homem.

Neste livro não encontramos grandes mistérios arquitetados pelo homem, mas nos confrontamos com os lados mais obscuros da psiquê humana, e nesse aspecto reside a grandeza dessa obra. Nadine Gordimer construiu um romance perturbador justamente porque trás à tona aquilo que preferimos deixar bem trancado nos porões obscuros de nossas mentes.

Ao acompanhar Cláudia e Harald é impossível não se angustiar, não se questionar, como eles. É uma leitura que incomoda, que mexe de múltiplas formas com o leitor. É claro que esta não é uma leitura fácil, em certos trechos chega a ser angustiante levar a leitura adiante, mas ainda assim para mim foi impossível largar o livro até ler o desfecho e mesmo após terminada a leitura esse livro ficou ecoando na minha mente por muito tempo.

GORDIMER, Nadine. A arma da casa. Tradução de Palo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

O silêncio da chuva

silencioUm suicídio, que para a polícia parece assassinato, dá início a uma trama intrincada que nos envolve desde o princípio. O inspetor Espinosa foge um pouco do estereótipo de detetive brilhante que resolve tudo sozinho, bem pelo contrário o solitário policial que tem como lazer percorrer sebos do Rio de Janeiro atrás de preciosidades literárias se sente tão ou mais perdido que o leitor durante a investigação.
A narrativa de Garcia-Roza é simples, direta e elegante, as divagações existenciais e filosóficas de Espinosa são ótimas e dão ao livro um tom psicológico que é potencializado pela vozes narrativas que se intercalam, nos colocando dentro dos pensamentos de diversas personagens.
Essa foi uma leitura curiosa, pois ao mesmo tempo em que o livro me prendeu, fiquei muito incomodada com diversos aspectos da trama. Este estranhamento foi tamanho que, apesar de ter gostado da leitura, não me atrevo a indicar o livro.

GARCIA-ROZA, Luiz Alfredo. O silêncio da chuva. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

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Essa leitura faz parte do Desafio Literário 2012  cuja temática do mês de Julho era a leitura de ganhadores do Prêmio Jabuti.

Aqui é possível ler as resenhas dos outros participantes.