A pirâmide vermelha

“… os egípcios acreditam no poder do sol nascente. Acreditam que cada amanhecer marca o início não só de um novo dia, mas de um novo mundo.”

Carter e Sadie Kane são irmãos, e desde que a mãe morreu, eles se veem apenas duas vezes por ano. Ele vive viajando pelo mundo com o pai, o egiptólogo Julius e ela mora com os avós maternos em Londres. Os dois tem muito pouco em comum até mesmo a aparência. A história tem início na véspera do Natal quando Julius decide levar os filhos até o British Museum, prometendo que tudo será melhor, no entanto as coisas não saem bem como ele planejou e os irmãos são lançados em uma aventura recheada de surpresas e perigos.

A narrativa é bem dinâmica e intercala as vozes de Carter e Sadie, permitindo uma visão mais ampla da história mesmo sendo ela narrada em primeira pessoa. O livro tem muitas cenas de ação e é recheado de informações sobre a mitologia egípicia, caracerística já conhecida dos leitores do autor, ele consegue permear a narrativa de informações de forma leve e consistente criando uma história envolvente.

“Nos tempos antigos, a margem leste do Nilo era sempre o lado dos vivos, o lado onde nasce o sol. Os mortos eram enterrados na margem oeste. Era considerado de má sorte, até perigoso, viver lá.”

O grande volume de informações e personagens torna o ritmo da leitura um pouco frenético, queremos sempre saber mais, é o tipo de história que se não ficarmos atentos às entrelinhas perdemos detalhes que são significativos para o desenrolar da história, inclusive quem leu a série Percy Jackson e os Olimpianos, vai identificar muitas semelhanças na estrutura da narrativa, mas isso não desmerece o trabalho de Riordan, pois ele se renovou e criou algo totalmente novo, mas permeado de pequenos detalhes que  seus leitores mais atentos não deixaram passar despercebido 😉

“Então não se pode morar em Manhattan? – disparou.
Amós franziu a testa e olhou para o Empire State.
– Manhattan tem outros problemas. Outros deuses. É melhor mantermos tudo separado.
– Outros o quê? – reagiu Sadie.
– Nada.” pg. 53

As personagens são cativantes e comungam da veracidade como principal característica, todos nós conhecemos uma menina rabugenta e sarcática como Sadie e um menino aplicado e tímido como Carter, mas o mais interessante é que a medida que avançamos na leitura vamos nos aprofundamendo e vendo que esses simulacros nos dizem pouco sobre os dois. Gosto das personagens criadas pelo Riordan, principalmente porque que elas são repletas de nuances, ninguém é totalmente bom, nem totalmente mau, são pessoas com conflitos, muitas atormentadas pelas consequências de suas escolhas e que de alguma forma buscam se redimir. O livro é uma deliciosa caixa de surpresas.

“Para todos os meus amigos bibliotecários,
defensores dos livros, verdadeiros mágicos na Casa da Vida.
Sem vocês, o escritor estaria perdido no Duat.” pg. 6

RIORDAN, Rick. As Crônicas dos Kane – Livro um: A pirâmide vermelha. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2010.

Essa leitura faz parte do Desafio Literário 2012  cuja temática do mês de Setembro era a leitura de livros sobre Mitologia Universal.

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Vittorio, o vampiro

“Sim, sou um vampiro, como já disse, sou uma coisa abjeta que se alimenta da vida mortal. Existo com tranquilidade, relativamente contente, na minha terra natal, nas sombras escuras do meu castelo. E Ursula está a meu lado, como sempre, e quinhentos anos não chega a ser tanto tempo para um amor tão forte quanto o nosso.

Apesar da promessa do título e do parágrafo da contra capa, este não é um livro sobre um vampiro, e sim sobre um humano. Narrado em primeira pessoa pelo próprio Vittorio, o livro conta a história de sua vida até conhecer a maldade nua e crua a e acabar seduzido pelo poder daquilo que mais abomina.

A história se passa em plena Renascença e Vittorio é pouco mais que um menino, apaixonado por Florença e por pintura sacra, quando vê sua família ser dizimada de forma brutal por uma seita chamada Corte do Graal de Rubi. Ele sobrevive apenas porque despertou a compaixão de Úrsula, uma das integrantes da seita, mas é capturado e mais uma vez a jovem salva sua vida, no entanto não consegue o livrar o envenenamento.
Após ser abandonado, com o sangue dominado por veneno, delirando,  Vittorio recebe ajuda de anjos para arquitetar e colocar em prática seu plano de vingança. Porém nem tudo sai como ele e seus protetores planejaram e como o próprio título já anuncia ele, enfim, se torna um vampiro.

“Deixe-me colocar as coisas de outra maneira.
Olhe para trás, pense no episódio que narrei, quando meu pai e eu, cavalgando pelas florestas, falamos sobre Fra Filippo, e meu pai me perguntou o que tanto me atraía nesse frade. Disse-lhe que era o conflito e a natureza dividida de de Filippo que tanto me fascinava nele, e que dessa natureza dividida, desse conflito, emanava um tormento que Filippo reproduzia magistralmente nos rostos que pintava.
Filippo era uma tempestade dentro de si mesmo. E eu também.” pg. 203

Esta foi uma leitura interessante, apesar de alguns pontos da narrativa se mostrarem um pouco enfadonhos, os dilemas de Vittorio se mostraram uma surpresa gratificante, ele se mostra inteiro em suas digressões filosóficas e podemos ver o quão atormentado ele é por suas escolhas e ainda assim teve força para assumir a responsabilidade e consequências de seus atos.

RICE, Anne. Vittorio, o vampiro. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.

Essa leitura faz parte do Desafio Literário 2012  cuja temática do mês de Agosto era a leitura de livros de terror.

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Santô e os pais da aviação

“Santô e os pais da aviação: a história de Santos Dumont e de outros homens que queriam voar” é uma HQ deliciosa e como é baseada em uma caprichada pesquisa histórica, deixou de lado o tom ufanista com o qual nós brasileiros costumamos falar sobre a história da aviação. Para mim sem dúvida esse é o grande trunfo da obra, pois essa característica de enaltecer Santos Dumont como único “pai” da aviação, presente nas biogafias que li sempre me incomodou, e Spacca traz à luz a contribuição dos pioneiros, inclusive dos odiados irmãos Wright para o desenvolvimento da aviação.

“Agradecimentos
[…] Jacqueline Brendel, bisneta de Emmanuel Aimé. Pedi a mlle. Brendel que me enviasse pela internet uma fotografia de seu bisavô, um colaborador de Santos-Dumont pouco mencionado pelos biógrafos brasileiros e nunca identificado nas fotos. Não só tive uma ótima acolhida, como fui abastecido de recortes de jornais, fotografias de família e informações inéditas, o que causou mudanças importantes de roteiro com o trabalho já em fase de finalização.Esse novos dados serviram ainda para ajudar a identificar com mais precisão algumas fotografias que eu já conhecia. Sem sua ajuda, este livro seria apenas uma reciclagem criativa de material já publicado. Espero ter correspondido à sua generosidade e entusiasmo. (pg. 4)

A obra começa com um ótima introdução que instiga a curiosidade do leitor e o leva a mergulhar nas próximas páginas ávido conhecer melhor as figuras apresentadas. O desenrolar da história é muito interessante mesmo para quem já leu outras biografias de Santos Dumont, por que apresenta elementos novos e uma perspectiva nova sobre a vida de Santos Dumont e dos outros pioneiros da aviação. E o final mesmo já sendo conhecido desde o início, supreende pelo lirimos com que o autor o retrata.
Não possuo conhecimento aprofundado sobre a nona arte para tecer comentários críticos, mas como leitora leiga posso dizer que Santô tem uma arte agradável e bem acabada, assim como a edição caprichada da Companhia das Letras, é uma obra apaixonante que pode ser lida por todos com o mesmo deleite.

“eu lhe dou o futuro… esta é a sua parte na herança,
vá para Paris, estude mecânica…
o futuro está na mecânica…” (pg.14)

SPACCA. Santô e os pais da aviação: a jornada de Santos-Dumont e de outros homens que queriam voar. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

No site do autor é possível ler um pouco mais sobre o processo criativo desta excelente obra.

Essa leitura faz parte do Desafio Literário 2012  cuja temática do mês de Outubro era a leitura de  Graphic Novel.

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Onde Habitam os Dragões

“O que é isso? John perguntou.
O homenzinho piscou os olhos e arqueou uma sobrancelha.
É o mundo, meu rapaz disse ele. Todo o mundo, a tinta e sangue, velino e pergaminho, pele e couro. Isto é o mundo, e ele é seu para salvar ou perecer.”

Provavelmente tu já conheces esta história em que pessoas normais descobrem que um armário, um trem ou um buraco são portas de entrada para mundos mágicos e que eles possuem um grande poder desconhecido essencial para vencer o mal. A premissa de Onde Habitam os Dragões, primeiro volume da série As Crônicas do Imaginarium Geographica (James A. Owen) é exatamente essa, mas o autor vai bem mais além, ele consegue criar uma história que reúne diversas referências à literatura, à mitologia grega, às histórias bíblicas, ao mito arturiano e ainda assim tem um gostinho de novidade.

“Sob o oleado havia um grande volume encadernado a couro, desgastado com o uso – ou com muita idade. Estava amarrado na ponta aberta com tiras de tecido, e na frente, em baixo relevo, as letras ainda traziam vestígios reluzentes de acabamentos dourados, formando as palavras Imaginarium Geographica.
– Hmm. “Geografia da Imaginação”, não é isso? – perguntou Charles – Interessante.
– Quase – disse Bert – Uma tradução melhor seria menos literal: “Geografia Imaginária”.
– Imaginária? – perguntou John, espiando o livro enorme. – Para que serve um atlas de geografias imaginárias?
O sorriso rápido quase escondeu a sombra que passou pelo rosto e Bert quando ele respondeu. – Ora, você está naturalmente brincando às nossas custas, certo jovem John? Ele serve exatamente ao uso que se poderia imaginar: guiar uma pessoa para entrar, e sair, de terras imaginárias.
– Todas as terras que já existiram em mito e lenda, fábula e contos de fadas, podem ser encontradas aí dentro – continuou Bert – Ouroboros, Schlaraffenland e Poictesme, Lilliput, Mongo, Islandia e Thule, Pellucidar e Prydain; todas elas estão aí.
– Coletivamente, o lugar onde todas essas terras existem é chamado de Arquipélago dos Sonhos: e foi por este livro, este guia para o Arquipélago que o professor foi morto.” (pgs. 31-32)

A aventura começa em Londres no ano de 1917, com a reunião, de três jovens desconhecidos: John, Jack e Charles. O catalisador desse encontro é a morte do Professor Sigurdsson, tutor de John. Após esse primeiro contato os três acabam por conhecer um homem inusitado chamado Bert, que lhes conta que eles são os guardiões do Imaginarium Geographica, um peculiar atlas que reúne todas as terras que já existiram na imaginação. Obviamente os três jovens, como bons homens de Oxford, não acreditam em uma palavra do desconhecido, no entanto a chegada de estranhas criaturas chamadas “Wendigo” desencadeia uma fuga desenfreada para salvarem suas vidas.

Eles partem no navio de Bert, o fantástico Dragão Índigo, e navegando pelo Tâmisa atravessam a tênue fronteira dos mundos e chegam ao Arquipélago dos Sonhos.
Não tendo mais como ignorar as evidências de que estão de fato em um mundo no mínimo curioso, John e seus companheiros descobrem que precisam manter o “Imaginarium Geographica” a salvo do Rei do Inverno, que tem a intenção de dominar o Arquipélago e o mundo dos homens para transformá-los em um mundo de sombras. A história é recheada de aventura, magia, traições e nos lança em uma jornada fantástica onde vemos pessoas lutando contra seus demônios para juntos lutarem contra um mal muito maior.
“Onde Habitam os dragões” é um livro fantástico, com uma história rica e bem construída e que acima de tudo é uma homenagem aos grandes nomes da literatura que o precederam.

 

O Mapa do Tempo

     A estrutura narrativa foi um dos aspectos que mais me cativou nesta leitura, a história nos é apresentada por um narrador onipresente e onisciente que se dirige diretamente ao leitor, esse recurso faz com que nos sintamos em uma conversa, dá até mesmo para imaginar a cadência da voz, a fluidez do discurso, sim sem dúvida o livro já me ganhou nas primeiras linhas.
     O livro é composto de várias histórias, que vão se interligando de forma surpreendente, primeiro conhecemos Andrew Harrington, um jovem que teve sua vida profundamente afetada por Jack, o estripador, pois, sua amada Marie foi a última vítima do serial killer que aterrorizou Londres em 1888. Oito anos depois, quase enlouquecido pela dor, ele pretende voltar no tempo para impedir o assassinato de Marie, essa possibilidade se faz real com a inauguração de uma curiosa empresa chamada Viagens Temporais Murray que organiza viagens no tempo, a decepção no entanto não tarda a encontrá-lo quando descobre que apesar do nome plural a empresa só oferece viagens através da malha do tempo a uma única data, mais especificamente ao ano 2000. Também acompanhamos as divagações da jovem Claire Haggerty que gostaria de ter nascido em outra época tamanha é a sensação de estranhamento que tem diante dos hábitos e costumes da era vitoriana. E por fim temos H.G. Wells, o elo que faz a ligação entre todos os pontos da intrincada trama que Félix J. Palma teceu, e que também enfrenta desafios dignos de seus livros quando se depara com um misterioso viajante que ameaça assassiná-lo.
    O livro é muito bem escrito, a trama é bem costurada, cheia de detalhes e desafia o leitor pois, intercala momentos repletos de adrenalina e suspense com outros onde as divagações se sobressem conferindo à narrativa um ritmo próprio e muito adequado para o desenrolar da história, mas que também pode decepcionar os mais afeitos unicamente à ação.
     Para além de um livro sobre viagens no tempo, O mapa do tempo, é sobre as pessoas e como elas podem se deixar enganar quando seus anseios e desejos são atendidos pela mentiras. Gostei demais como as histórias se entrelaçaram, da participação de “personalidades” da era vitoriana, como Sherlock Holmes, Bram Stoker, Henry James, O Homem Elefantes, Jack, o Estripador, e é claro do próprio H.G. Wells e o desfecho delas foi simplesmente fantástico, sem dúvida é um livro que marca o leitor de várias formas, no que me diz respeito, todas elas foram muito positivas.
PALMA, Félix J. O Mapa do Tempo. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2010.
Essa leitura faz parte do Desafio Literário 2012  cuja temática do mês de Junho era a leitura de livros sobre Viagens no Tempo.
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Matadouro 5

“O visitante do espaço realizava um estudo muito sério da cristandade para tentar compreender por que os cristãos achavam tão simples ser cruel.” pg. 114

Quando escolhi o livro Matadouro 5 do Kurt Vonnegut para o Desafio Literário, sabia apenas que ele era sobre viagens no tempo, nada mais. E assim, sem nenhuma expectativa, nenhum conceito pré concebido que me lancei na leitura dessa obra.
Passado vários dias que terminei a leitura, ainda me pego surpresa com a genialidade do autor, ele escreveu um livro sobre viagem no tempo, sobre guerra, sobre vida extraterrestre e na verdade nada disso é realmente fundamental para que compreendamos a mensagem pacifista que ele deixou para a humanidade.

“Disse a meus filhos que eles não devem em hipótese alguma participar de massacres e que as notícias sobre massacres dos inimigos não deixá-los nem orgulhosos, nem felizes”. pg. 25

Com uma narrativa totalmente metalinguística, o livro não é fácil, exige boa vontade do leitor, mas vale à pena o esforço para acompanharmos Billy Pilgrim em suas andanças pelo tempo e espaço, hora estamos em meio ao bombardeio a cidade de Dresden hora estamos em sua confortável casa na cidade americana de Illium. Como preparação para esta aventura temos o primeiro capítulo que traz, supostamente, a realidade, nele o autor contextualiza o livro bem como suas motivações para escrevê-lo, é um prelúdio que já mostra a que veio, pois nele já vamos percebendo que na escrita de Vonnegut não existem desperdícios, cada palavra, cada vírgula, cada ponto tem um objetivo, e esse objetivo creio eu, seja justamente o de lançar o leitor em uma aventura na qual ele não poderá ficar indiferente, não creio que exista a possibilidade sairmos ilesos de uma leitura tão impactante.
Mas que essa leitura seria uma experiência enriquecedora, desconcertante, absurda e surreal eu já devia ter previsto quando li a folha de rosto do livro:
Matadouro 5
ou 
A cruzada das crianças
uma dança com a morte
de
Kurt Vonnegut
Americano de origem alemã de quarta geração que hoje vive tanquilamente em Cape Cod [fumando muito] e que, como soldado de infantaria americano hors de combat, como prisioneiro de guerra, testemunhou o bombardeio de Dresden, na Alemanha, “a Florença de Elba”, há muito tempo sobreviveu para contar a história.
É uma novela que segue mais ou menos o modo esquizofrênico e telegráfico das histórias do planeta Tralfamador, de onde vêm os discos voadores.
Paz.
VONNEGUT JR., Kurt. Matadouro 5. Tradução de Cássia Zanon. Porto Alegre: L&PM, 2011.
Esse é o verdadeiro Matadouro 5
Essa leitura faz parte do Desafio Literário 2012  cuja temática do mês de Junho era a leitura de livros sobre Viagens no Tempo.
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Extremamente Alto & Incrivelmente Perto

Nunca é possível reconhecer o último momento de felicidade que antecede uma tragédia.”

Extremamente Alto & Incrivelmente Perto (Jonathan Safran Foer) é um livro que queria ler há muito tempo, tanto que assim que a Rocco anunciou o relançamento, corri para garantir meu exemplar. A leitura dessa obra poderia ter sido uma decepção de proporções épicas já que ela veio encharcada de expectativas “extremamente altas”, mas na verdade ela conseguiu ser muito, muito mais do que eu poderia supor. Nenhuma expectativa poderia ter me preparado para esta leitura, nenhuma.

O que esperar de um livro sobre os atentados de 11 de setembro? Eu esperava encontrar muitas coisas, mas não o lirismo e delicadeza que transbordam da narrativa.

Extremamente Alto & Incrivelmente Perto (Jonathan Safran Foer) é um livro que queria ler há muito tempo, tanto que assim que a Rocco anunciou o relançamento, corri para garantir meu exemplar. A leitura dessa obra poderia ter sido uma decepção de proproções épicas já que ela veio encharcada de expectativas “extremamente altas”, mas na verdade ela conseguiu ser muito, muito mais do que eu poderia supor. Nenhuma expectativa poderia ter me preparado para esta leitura, nenhuma.

A história gira em torno do pequeno Oskar Schell, inventor, desenhista e fabricante de joias, francófilo, vegan, origamista, pacifista, percurssionista, astrônomo amador, consultor de informática, arqueólogo amador e colecionador de moedas raras, borboletas que morrem de causas naturais, cactos em miniatura,memorabiliados Beatles e pedras semipreciosas. Ele tem 9 anos e viu sua vida ser profundamente pelos atentados ao World Trade Center, seu pai foi uma das 2.996 vítimas dos ataques ocorridos em 11 de setembro de 2001.

(…) Ele tinha células, e agora elas estão nos telhados dos prédios, no rio e nos pulmões de milhões de pessoas em Nova York, que respiram ele toda vez que abrem a boca para falar!” “Você não devia falar desse jeito.” “Mas é a verdade! Por que não posso dizer a verdade?” “Você está perdendo o controle.” “O fato do pai ter morrido não te dá permissão para ser ilógica, Mãe (…)” (p. 188)

Oskar e o Pai tinham uma relação muito especial, e é a partir das memórias do menino que vamos conhecendo mais desse homem que a despeito de ter morrido é uma presença pulsante por toda a narrativa. A principal voz narrativa é de Oskar, mas entrelaçadas à ela estão as vozes da avó e do avô do menino, que trazem à luz histórias há muito enterradas, dores há muito encarcerradas nos recantos mais sombrios dos corações e assim a trama vai se tecendo de forma que descortina o quão profundo e indecifrável é o ser humano.

“Pela primeira vez na vida, me perguntei se a vida valia todo o esforço necessário para se viver. O que, exatamente, fazia a vida valer a pena? O que há de tão horrível em permanecer morto para sempre, não sentindo nada e nem mesmo sonhando?” (p.161)

Ao quebrar um vaso no closet do pai e encontrar uma chave dentro de um envelope, com a inscrição “Black” Oskar se lança em uma busca para encontrar a fechadura que é aberta pela chave, mas conforme vamos acompanhando o menino para além dos distritos de Manhattan compreendemos que o que ele busca na verdade é a compreensão da absurda relação entre o que perdemos e o que nos resta quando o chão se liquefaz sob nossos pés.

Sim, é uma história sobre perda, saudade e dor, mas a força narrativa de Foer, a faz linda e poética. Esse livro me tocou profundamente e de formas tão diferentes que foi um desafio escrever sobre ele, é impossível não se sentir tocado por esta história.

“E agora me deixe perguntar uma coisa, como acha que vai conseguir realizar tudo que mencionou? Vou enterrar meus sentimentos bem lá no fundo. Como assim, enterrar seus sentimentos? Não importa o quanto eu sentir, não vou deixar sair para fora. Se eu tiver que chorar, vou chorar por dentro. Se eu tiver que sangrar, vou fazer marcas roxas. Se meu coração começar a enlouquecer, não vou sair falandi isso para o mundo inteiro. Não ajuda em nada. Só piora a vida de todo mundo.” (p.223)

FOER, Jonathan Safran. Extremamente Alto & Incrivelmente Perto. Tradução de Daniel Galera. Rio de Janeiro: Rocco, 2006

Essa leitura faz parte do Desafio Literário 2012 cuja temática do mês de maio era a leitura de obras que tratassem de Fatos Históricos.

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Balzac e a Costureirinha Chinesa

“Até aquele encontro roubado com Jean-Christophe, minha pobre cabeça educada e reeducada, simplesmente ignorava que se pudesse lutar sozinho contra o mundo inteiro. O flerte se transformou em grande amor. Até mesmo a ênfase excessiva à qual o autor havia sucumbido não me parecia nociva à beleza da obra. Sentia-me literalmente devorado pelo fluxo poderoso de centenas de páginas. Para mim, era o livro sonhado: ao término da leitura, nem a maldita vida, nem o maldito mundo poderiam ser como antes.” (p. 94)

O Desafio Literário tem se mostrado, cada vez mais, um motivador para que eu me permita sair da zona de conforto literário na qual me refugio, o tema do mês de abril (autores orientais) por si só já era um grande movimento nesta direção, mas eu não poderia supor o quanto ele seria enriquecedor, a primeira leitura já havia sido encantadora e esta segunda obra veio confirmar esse fato.
O livro do chinês Dai Sijie, radicado há 15 anos na frança, me conquistou primeiro pelo título, minha clara predileção por livros com nomes pouco óbvios falou alto, mas uma rápida leitura na sinopse, ou melho dizendo no primeiro páragrafo dele me fizeram tomar a decisão de incluir essa obra no desafio, e que escolha acertada  foi me lançar na leitura desta singela história que é sobretudo sobre o poder transformador da literatura.

“O que é a reeducação? Na China vermelha, no fim de 68, o Grande Timoneiro da Revolução, o presidente Mao, lançou um dia uma campanha que iria mudar profundamente o país. As universidades foram fechadas, e “os jovens intelectuais”, quer dizer, os secundaristas, foram mandados ao compo para serem reeducados por camponeses pobres” (p. 8)

A história, como se pode verficar no excerto acima, se passa no fim da década de 60, quando Mao Tse Tung lançou a chamada Revolução Cultural. Uma das diretrizes da Revolução impactou diretamente a vida de dois jovens: o narrador da história e seu amigo Luo, de 17 e 18 anos respectiviamente, eles foram mandados para um montanha chamada “Fenix Celestial” sob a responsabilidade do chefe da aldeia, para serem reeducados porque seus pais eram ” intelectuais inimigos do povo“.
A rotina extenuante que inclui trabalhos pesados em lavouras e mina de carvão dos dois jovens só é interrompida porque o chefe da aldeia gosta de ouvir histórias e se encanta com a capacidade narrativa de Luo, o que permite aos amigos irem esporadicamente a cidade para assistirem filmes no cinema local para depois contarem na aldeia. Estes são os pequenos momentos de felicidade dos dois. 
No entanto dois acontecimentos vão mudar ainda mais a vida dos dois jovens: conhecer a costureirinha e a descoberta de uma valise repleta de inestimável tesouro. São estes dois marcos que modificam profundamente a visão de mundo e o cotidiano dos três jovens. Ao se dedicarem à leitura dos livros de Balzac, Baudelaire, Dostoievski, Dickens, Dumas entre outros, eles abrem seus horizontes para além da realidade imposta por Mao, páginas e mais páginas lidas, forjam uma sensação de autonomia que os olhares em direção ao mundo não é mais enevoado com as lentes impostas pelo regime mas sim com as lentes da criticidade. As mudanças que a leitura provoca nos três amigos é tão profunda quanto imprevisível, como amargamente comprova Luo, que em uma tentativa de “civilizar” a costureirinha através da leitura das obras ocidentais, não poderia supor o quão libertadora seria a experiência.
Balzac e a Costurerinha Chinesa é uma obra encantadora e singela, mas de uma força que surpreende, pois mesmo aqueles para quem a literatura é notoriamente libertadora são pegos de surpresa pela dimensão do poder transformador que ela tem.
SIJIE, Dai. Balzac e a Costureirinha Chinesa. Tradução de Véra Lucia dos Reis. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000.

Essa leitura faz parte do Desafio Literário 2012 cuja temática do mês de abril era a leitura de autores orientais.

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O livro tem um versão cinematográfica, roterizada e dirigida pelo próprio Dai Sijie, e que traz como bônus informações sobre os dois jovens e o vilarejo, vinte anos depois.

Haroun e o Mar de Histórias

"Uma coisa ele sabia: o mundo real era cheio de mágica, de modo que os mundos mágicos podiam muito bem ser reais" (p.43)

A despeito da desconfiança que tive ao incluir alguns título na minha lista, o Desafio Literário 2012 tem me proporcionado surpresas muito agradáveis, primeiro foi em março com as leituras de O Jardim de Ossos e O Perfume, e agora em abril com a leitura de Haroun e o Mar de Histórias, Salman Rushdie, esse livro estava há dois anos na minha estante, li uma resenha da Izze e fiquei encantada com o que ela escreveu, mas no fim acabou que a obra ficou no esquecimento até agora.

Salman Rushdie escreveu esse livro para o filho mais velho, e como esse menino deve ter gostado da aventura encantadora que seu pai criou.

Nela somos levados ao país de Alefbey mais especificamente para uma cidade tão triste, mas tão triste que esqueceu o próprio nome, mas como toda regra tem uma excessão lá vive a família de Rashid Khalifa, o contador de histórias, ele, sua esposa Soraya e seu filho Haroun são felizes. Porém alguma coisa deu errado.

"No dia em que Soraya parou de cantar no meio de um verso, como se alguém tivesse desligado uma chave, Haroun imaginou que alguma complicação estava começando. Mas ele nem desconfiava o quanto essa complicação era complicada" (pg. 13)

De uma hora para outra Haroun vê sua vida virar de ponta cabeça, e para piorar ele acredita que é culpado de tudo, mal sabe ele que a maior aventura de todas está apenas começando, pois ao se lançar em uma jornada para tentar devolver a seu pai o dom da palavra, ele vai descobrir que os problemas são muito mais profundos e abrangentes do que ele poderia imaginar.

A descoberta da existência de uma terra mágica, onde se localiza o Mar de Histórias, cujas águas fornecem todo estoque de histórias do mundo, faz com que Haroun mergulhe em um mundo fantástico, onde pássaros-aviões falam sem mecher o bico, onde o exercíto é composto por Páginas, e os seres mais fantásticos e interessantes habitam.

"… qual é o sentido de se dar às pessoas Liberdade de Expressão, e depois dizer que elas não devem utilizá-la? E não é o Poder das Palavras o maior poder de todos os Poderes? Então decerto deve ter plenas garantias de exercício." (p.67)

A jornada de Haroun se reveste de fantasia para falar de temas pertinentes e atuais, mas em nenhum momento se torna enfadonha, pois Rushdie sabe como poucos usar as palavras com tal maestria que a narrativa é ao mesmo tempo simples e complexa, os pequenos, ainda sem bagagem para compreender as metáforas se deliciam com a aventura, os mais maduros também, mas com o adcional de perceber a intencionalidade de cada frase sarcástica. Enfim esse é o tipo de livro que torna a tarefa de falar sobre ele difícil que ela mais se paresse com um "PCD+P/EX: um Processo Complicado Demais Para Explicar".

"Pra que servem essas história que nem sequer são verdade? (p.17)

O próprio Rushdie nos responde essa pergunta ao tecer uma trama tão rica e encantadora: servem para que possamos manter acesa dentro de nós a chama que nos ajuda a seguir em frente.

RUSHDIE, Salman. Haroun e o Mar de Histórias. Paulicéia: São Paulo, 1991.

Essa leitura faz parte do Desafio Literário 2012 cuja temática do mês de abril era a leitura de autores orientais.

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Belas Maldições

" Crianças! Provocar o Armagedon pode ser perigoso. Não tentem isso em casa."

Ler a última palavra de Belas Maldições, As Belas e Precisas Profecias de Agnes Nutter, Bruxa me deixou sem fôlego, desnorteada e principalmente em êxtase, êxtase que só é causado por leituras simplesmente fantásticas. Inefável me parece o único adjetivo capaz de descrever o impacto desta leitura para mim.

Um livro que estampa na capa os nomes de Neil Gaiman e Terry Pratchett tem um poder avassalador sobre mim, comprei Belas Maldições sem saber nada, nadinha sobre a história, apenas por ele ter sido escrito a quatro mãos pelos meus dois ídolos literários. Isto posto, espero que os leitores não busquem neutralidade nesta resenha, todos os textos que já produzi ou que produzirei sobre eles são e serão passionais elevados à máxima potência.

Quando descobri que o livro era sobre o fim do mundo fiquei ainda mais animada para ver o que Gaiman e Pratchett tinham aprontado, separados eles nunca me decepcionaram mas e juntos? Ah juntos, eles são simplesmente geniais!

As referências à passagens bíblicas, literatura, o cotidiano londrinho, cinema, música permeiam texto inteiro fazendo com que a leitura seja, como diria Lu, um grande jogo de palavras cruzadas, muitas delas se perdem, mas outras fazem parte do imaginário popular e do senso comum, e isso torna o texto hilariante até mesmo para o mais desavisado dos leitores. E as notas de rodapé? Não conheço ninguém que use notas de rodapé como Pratchett, elas fazem parte do texto de forma tão instrínseca (ou não) que não cansam e nem tornam a leitura enfadonha, muito pelo contrário, várias risadas são fruto da leitura delas.

Apocalipse que se preze tem que ter um anticristo e neste caso, ele é um guri adorável, que ama a cidade onde vive, quer salvar as baleias e tem um cão infernal chamado Cão, e tudo isso porque irmã Maria, da Ordem Faladeira de Santa Beryl (a ordem mais bizarra e hilária da qual se teve notícias) fez aquele truque da ervilha com três copinhos.

"É assim que acontece, você acha que está no topo do mundo, e de repente jogam o Armagedon em cima de você."

As personagens criadas por Gaiman e Pratchett são tão apaixonantes que poderia facilmente escrever um tratado de muitas e muitas páginas apenas falando delas, vou tentar apelar para o poder da síntese, mas não posso garantir nada.

Vamos começar com Aziraphale e Crowley que apesar de serem um anjo e um demônio vivem na terra há seis mil anos e não querem que ela seja destruída. As passagens com eles são memoráveis, gostei muito das divagações filosóficas, principalmente quando eles debatem sobre a natureza humana e demonstram verdadeiro assombro diante das coisas que as pessoas criam e fazem, como a bomba-âtomica e a inquisição, coisas tão absurdas que, segundo Crowley, nem mesmo o diabo as conceberia.

“Em matéria de maldades, humanos dão de dez a zero no capeta.”

E o que dizer dos "Os quatro cavaleiros do apocalipse"? Confere comigo: Guerra, Fome, Peste e Morte, certo? Errado. A Peste se aposentou em 1936 quando Alexander Flemming descobriu a penicilina. A forma como eles vão aparecendo no texto, a maneira como se adaptaram ao mundo contemporâneo é simplesmente fantástica.

Teve outras duas coisas relacionadas com as referências que falei lá em cima que gostei, primeiro aquelas que estão nos nomes das personagens, leitores de O Senhor dos Anéis não deixarão passar despercebido o nome da Pimentinha, por exemplo. E segundo quando ela confunde Metatron com megatron, impossível não se acabar de tanto rir.

"— Nossa — disse Aziraphale. É ele.

— Ele quem? – perguntou Crowley.

A Voz de Deus — disse o anjo. — O Metatron. Os Eles arregalaram os olhos.

Então Pimentinha disse:

— Não é não, O Metatron é de plástico e tem um canhão laser e pode se transformar num helicóptero.

— Esse é o Megatron Cósmico — disse Wensleydale fraco. — Eu tinha um, mas a cabeça caiu. Acho que este é diferente."

Destaque também para as bruxas da família Nutter, tanto Agnes que escreveu o livro "As Belas e Precisas Profecias de Agnes Nutter, Bruxa" que contém todas as previsões sobre o apocalipse, quanto Anathema Device, descendente de Agnes, para quem o livro foi escrito são personagens muito peculiares e encantadoras. Outra família que vale a menção é a Pulsifer nem que seja só pelos nomes com os quais costumava batizar seus filhos, nomes como Não-Cometerás-Adultério Pulsifer, que diga-se de passagem é um caçador de bruxas.

" – Amarrai bem – disse ao caçador de bruxas atônito. E então, quando os aldeões se aproximaram da pira, ela ergueu a bela cabeça à luz do fogo e falou: – Chegai mais perto, boa gente. Chegai perto até que o fogo quase vos queime, pois eu digo que todos devem ver como a última bruxa verdadeira na Inglaterra morre. Pois bruxa eu sou, por tal sou julgada, mas não sei qual possa de ser meu verdadeiro Crime. E portanto deixai minha morte ser uma mensagem para o mundo. Chegai mais perto, eu digo, e marcai bem o destino de todos os que lidam com coisas que não entendem.

E, aparentemente, ela sorriou e olhou para o céu sobre a aldeia e acrescentou:

– Isso tambem serve para você, seu velho tolo."

Enfim este é um dos melhores livros que já li, para além da minha idolatria com os autores a obra é simplesmente fantástica, todo texto é permeado de questões muito mais aprofundadas do que se pode pensar de um livro tão deliciosamente hilário e irônico, mas é só ir além para perceber que a obra é acima de tudo sobre os seres humanos e sobre aquilo que nos torna o que somos, Gaiman e Pratchett usaram toda a maestria e construiram personagens tão próximas de nós que a reflexão é inevitável.

Eu só gostaria de dizer — disse ele — que se não sairmos desta, que… eu sei que, bem no fundo, havia uma fagulha de bondade em você.

— Isso mesmo — disse Crowley amargo. — Estrague meu dia.

Aziraphale estendeu a mão.

— Foi bom te conhecer — disse.

Crowley apertou-a.

— Até a próxima — disse. — E… Aziraphale?

— Sim?

— Lembre-se de que eu sei que, no fundo, você era filho da puta o suficiente para valer a pena gostar.