" Crianças! Provocar o Armagedon pode ser perigoso. Não tentem isso em casa."
Ler a última palavra de Belas Maldições, As Belas e Precisas Profecias de Agnes Nutter, Bruxa me deixou sem fôlego, desnorteada e principalmente em êxtase, êxtase que só é causado por leituras simplesmente fantásticas. Inefável me parece o único adjetivo capaz de descrever o impacto desta leitura para mim.
Um livro que estampa na capa os nomes de Neil Gaiman e Terry Pratchett tem um poder avassalador sobre mim, comprei Belas Maldições sem saber nada, nadinha sobre a história, apenas por ele ter sido escrito a quatro mãos pelos meus dois ídolos literários. Isto posto, espero que os leitores não busquem neutralidade nesta resenha, todos os textos que já produzi ou que produzirei sobre eles são e serão passionais elevados à máxima potência.
Quando descobri que o livro era sobre o fim do mundo fiquei ainda mais animada para ver o que Gaiman e Pratchett tinham aprontado, separados eles nunca me decepcionaram mas e juntos? Ah juntos, eles são simplesmente geniais!
As referências à passagens bíblicas, literatura, o cotidiano londrinho, cinema, música permeiam texto inteiro fazendo com que a leitura seja, como diria Lu, um grande jogo de palavras cruzadas, muitas delas se perdem, mas outras fazem parte do imaginário popular e do senso comum, e isso torna o texto hilariante até mesmo para o mais desavisado dos leitores. E as notas de rodapé? Não conheço ninguém que use notas de rodapé como Pratchett, elas fazem parte do texto de forma tão instrínseca (ou não) que não cansam e nem tornam a leitura enfadonha, muito pelo contrário, várias risadas são fruto da leitura delas.
Apocalipse que se preze tem que ter um anticristo e neste caso, ele é um guri adorável, que ama a cidade onde vive, quer salvar as baleias e tem um cão infernal chamado Cão, e tudo isso porque irmã Maria, da Ordem Faladeira de Santa Beryl (a ordem mais bizarra e hilária da qual se teve notícias) fez aquele truque da ervilha com três copinhos.
"É assim que acontece, você acha que está no topo do mundo, e de repente jogam o Armagedon em cima de você."
As personagens criadas por Gaiman e Pratchett são tão apaixonantes que poderia facilmente escrever um tratado de muitas e muitas páginas apenas falando delas, vou tentar apelar para o poder da síntese, mas não posso garantir nada.
Vamos começar com Aziraphale e Crowley que apesar de serem um anjo e um demônio vivem na terra há seis mil anos e não querem que ela seja destruída. As passagens com eles são memoráveis, gostei muito das divagações filosóficas, principalmente quando eles debatem sobre a natureza humana e demonstram verdadeiro assombro diante das coisas que as pessoas criam e fazem, como a bomba-âtomica e a inquisição, coisas tão absurdas que, segundo Crowley, nem mesmo o diabo as conceberia.
“Em matéria de maldades, humanos dão de dez a zero no capeta.”
E o que dizer dos "Os quatro cavaleiros do apocalipse"? Confere comigo: Guerra, Fome, Peste e Morte, certo? Errado. A Peste se aposentou em 1936 quando Alexander Flemming descobriu a penicilina. A forma como eles vão aparecendo no texto, a maneira como se adaptaram ao mundo contemporâneo é simplesmente fantástica.
Teve outras duas coisas relacionadas com as referências que falei lá em cima que gostei, primeiro aquelas que estão nos nomes das personagens, leitores de O Senhor dos Anéis não deixarão passar despercebido o nome da Pimentinha, por exemplo. E segundo quando ela confunde Metatron com megatron, impossível não se acabar de tanto rir.
"— Nossa — disse Aziraphale. É ele.
— Ele quem? – perguntou Crowley.
A Voz de Deus — disse o anjo. — O Metatron. Os Eles arregalaram os olhos.
Então Pimentinha disse:
— Não é não, O Metatron é de plástico e tem um canhão laser e pode se transformar num helicóptero.
— Esse é o Megatron Cósmico — disse Wensleydale fraco. — Eu tinha um, mas a cabeça caiu. Acho que este é diferente."
Destaque também para as bruxas da família Nutter, tanto Agnes que escreveu o livro "As Belas e Precisas Profecias de Agnes Nutter, Bruxa" que contém todas as previsões sobre o apocalipse, quanto Anathema Device, descendente de Agnes, para quem o livro foi escrito são personagens muito peculiares e encantadoras. Outra família que vale a menção é a Pulsifer nem que seja só pelos nomes com os quais costumava batizar seus filhos, nomes como Não-Cometerás-Adultério Pulsifer, que diga-se de passagem é um caçador de bruxas.
" – Amarrai bem – disse ao caçador de bruxas atônito. E então, quando os aldeões se aproximaram da pira, ela ergueu a bela cabeça à luz do fogo e falou: – Chegai mais perto, boa gente. Chegai perto até que o fogo quase vos queime, pois eu digo que todos devem ver como a última bruxa verdadeira na Inglaterra morre. Pois bruxa eu sou, por tal sou julgada, mas não sei qual possa de ser meu verdadeiro Crime. E portanto deixai minha morte ser uma mensagem para o mundo. Chegai mais perto, eu digo, e marcai bem o destino de todos os que lidam com coisas que não entendem.
E, aparentemente, ela sorriou e olhou para o céu sobre a aldeia e acrescentou:
– Isso tambem serve para você, seu velho tolo."
Enfim este é um dos melhores livros que já li, para além da minha idolatria com os autores a obra é simplesmente fantástica, todo texto é permeado de questões muito mais aprofundadas do que se pode pensar de um livro tão deliciosamente hilário e irônico, mas é só ir além para perceber que a obra é acima de tudo sobre os seres humanos e sobre aquilo que nos torna o que somos, Gaiman e Pratchett usaram toda a maestria e construiram personagens tão próximas de nós que a reflexão é inevitável.
Eu só gostaria de dizer — disse ele — que se não sairmos desta, que… eu sei que, bem no fundo, havia uma fagulha de bondade em você.
— Isso mesmo — disse Crowley amargo. — Estrague meu dia.
Aziraphale estendeu a mão.
— Foi bom te conhecer — disse.
Crowley apertou-a.
— Até a próxima — disse. — E… Aziraphale?
— Sim?
— Lembre-se de que eu sei que, no fundo, você era filho da puta o suficiente para valer a pena gostar.